segunda-feira, 21 de julho de 2008

A vitória de Álvaro Uribe



Depois de seis anos e quatro meses que passou na selva, em poder das Farc, o resgate da ex-senadora franco-colombiana Ingrid Betancourt não foi só uma vitória de Álvaro Uribe. Foi uma vitória da civilização sobre a barbárie. Foi um final digno de Hollywood. Ingrid teve tempo de sobra para pensar em como terminaria seu sofrimento. Quando estava otimista, supunha que seria libertada dali a alguns anos, depois de um acordo entre o governo e o narcoterrorismo. Quando era tomada pela nostalgia, a refém imaginava-se morta por causa dos maus-tratos e da falta de assistência médica.
Na quarta-feira, dois de julho passado, Ingrid emergiu sorridente e aparentando boa saúde ao descer de um avião da base militar de Bogotá. O resgate da ex-senadora e de mais 14 reféns, três deles civis americanos - foi feito após uma irretocável operação de inteligência militar. A operação começou a ser montada no ano passado, quando o governo colombiano obteve detalhes dos acampamentos da guerrilha nos departamentos de Guaviare (onde estava Ingrid) e Vaupés.
Agentes do Exército, fingindo ser membros das Farc, fizeram contato com o responsável pelos reféns. Passaram a ele uma ordem falsa de que Ingrid e os americanos deveriam ser levados para o líder do grupo marxista, Alfonso Cano, em um helicóptero fornecido por uma organização humanitária.
O arranjo não levantou suspeitas porque foi o mesmo utilizado pelo presidente venezuelano, Hugo Chávez, quando libertou alguns reféns no início do ano. Assim que o helicóptero levantou vôo, com Ingrid a bordo, os falsos guerrilheiros anunciaram a libertação. A "Operação Xeque-Mate", como foi apelidada, foi o golpe fatal na guerrilha, que já vinha sofrendo com deserções, traições e com o desmantelamento de seus sistemas de comunicação e financiamento.
Politicamente, a libertação põe para escanteio alguns escândalos do governo. O bem-sucedido resgate de Ingrid Betancourt veio em ótima hora para Álvaro Uribe. O presidente colombiano está envolvido em uma queda-de-braço com o Judiciário. Primeiro, foi o mau procedimento dos paramilitares. Cerca de mais de meia centena de congressistas ligados ao governo são investigados por envolvimento com milícias de direita. É mole? Corram, ainda tem locadora aberta.
Agora, o presidente é acusado de comprar votos de parlamentares para ter aprovada a emenda constitucional que permitiu sua reeleição, em 2006. O caso levanta dúvidas sobre a legitimidade do segundo mandato presidencial. Ah, aconselha, pois, o bom senso, que pare por aí. Mas não assusta mais.
A dramatização do xadrez latino vive ameaças institucionais. Por isso, é de bom tamanho que a ex-senadora, ao ser libertada, tenha defendido a pacificação e o respeito às instituições. Na Venezuela, o Exército deixou de ser do Estado para ser chavista; a Bolívia se fraciona; na Colômbia, o Congresso se desmoralizou pela ligação com a milícia; a Argentina está em conflito. As instituições democráticas estão se desviando de suas funções, e a democracia está se enchendo de defeitos: o autoritarismo, o personalismo e o continuísmo.
Na Venezuela, o Exército foi forçado a ser chavista, em vez de nacional. Com depurações e promoções, fundiu-se o chefe eventual do Executivo às Forças Armadas. Chávez criou uma anomalia: as milícias bolivarianas. O Congresso não tem oposição e vota à sombra do Executivo. Essa hipertrofia do chefe do Executivo ameaça a independência dos poderes e a alternância do poder.
No outro lado do espectro político está Álvaro Uribe, o grande vencedor da primeira semana de julho. O feito foi grandioso - na platéia, aplausos calientes e prolongados. A proposta da ação militar era desaconselhada pelo presidente da França, pela família de Ingrid e pelos países vizinhos. Uribe fez como achava que devia, resgatou a prisioneira célebre, deixando vivos até os inimigos; espalhando essa boa sensação de alívio e de alegria - e a proteção comprovada que só Kolinos lhe dá.
Mas Álvaro Uribe também ameaça alguns pilares da democracia. Ele parece muito próximo da coroa e do cetro. Quer se perpetuar no poder, enquanto sua base no Congresso perde credibilidade pelas marcas do apoio financeiro dos paramilitares, a milícia narcotraficante. Acossado, Uribe ameaçou convocar um referendo popular para repetir a votação, dando início a rumores de que estaria tentando um golpe branco para obter um terceiro mandato. Infelizmente, vivemos essa realidade, passemos novo olhar em redor, só para dar uma refrescadinha na memória. Que tal?
Agora tudo isso foi esquecido. O presidente colombiano, que mesmo durante o imbróglio jurídico permanecia com 80% da aprovação popular, deve contabilizar ainda mais com a derrocada das Farc. O presidente que é visto como de "direita" quer o continuísmo. A democracia cede na América Latina ao autoritarismo disfarçado de uma "esquerda" sem lei. É, questão difícil mesmo, essa de conseguir um nome para a nossa realidade política, social, moral etc, na América do Sul.

Sergio Barra é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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