quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Impostos, desenvolvimento e bem estar social

Por LEOPOLDO VIEIRA, no Blog do Zé Dirceu

No último dia 29/11, os jornalões da velha mídia estamparam em suas capas: "Carga tributária vai a 35% do PIB em 2011 e bate recorde"! Nunca é demais enfrentar este debate. Segundo números oficiais e o noticiário sempre pela negativa, a carga tributária bruta alcançou R$ 1,463 trilhão, o maior nível da série histórica desde 2002. Fruto da expansão da arrecadação do Imposto de Renda, da contribuição previdenciária e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. De acordo com os sempre "especialistas", o aumento deveu-se ao "PIBinho" de 2,7% em 2011.

Isso é uma excelente notícia por três motivos:

O primeiro, pela fonte que financiou o aumento da carga tributária, com origem na renda, ainda que com resistentes distorções.

O segundo porque revela que, mesmo com a crise, um modesto crescimento brasileiro é digno de gigantes econômicos.

O terceiro porque o levantamento publicado traz um "balanço da década" em matéria fiscal, o que nos permite comparar com o "balanço da década" em matéria social e travar a devida disputa sobre o verdadeiro caráter dos "impostômetros". Estes estão à serviço da agenda da direita brasileira, muito bem expressa no artigo "Em busca do planejamento perdido", de Raul Velloso, no Estadão de 09/12/12. Sem ler o PPA 2012-2015, ele aborda a questão da poupança interna, anistiando a falta de investimentos privados, e sugere como panaceia ao desenvolvimento suspender o calculo de reajuste do salário mínimo, o gasto com servidores - contratações e remunerações - e "os demais parâmetros em vigor na área de assistência social".

O crescimento dos investimentos públicos federais contribuiu , nos últimos dez anos, para ampliar a materialização dos direitos e para fortalecer o sistema de proteção social previsto pela Constituição de 88 que, aliás, demarcava como propósito da ordem econômica construir o bem estar social. De 2000 a 2011, cresceu em 84% o investimento em Previdência, 254% em Educação, 70% em Saúde, 390% em Assistência Social, 153% em Trabalho.  Ou seja, a ampliação da proporção "gasto" social x PIB, somado à média de 5% de crescimento econômico do período, serviu para dar um claro conteúdo ao status conquistado por este processo de "nação em desenvolvimento" ou "potência emergente": o de bem estar social em desenvolvimento ou emergente.

A comprovação disso se dá pela fantástica redução do índice de Gini (quanto mais próximo de zero menos desigual a sociedade), que passou de 594 para 527 de 2001 a 2011, e pelo estudo da consultoria Boston Consulting Group (BCG) que constatou que, entre 150 países, o Brasil foi o que mais utilizou seu crescimento econômico para garantir a elevação do padrão de vida de sua população. Os ganhos sociais obtidos no período são equivalentes aos de um país que tivesse registrado expansão anual de 13%, mais do que o dobro da nossa média do período. 

Ora, assim, dá para se ter uma abordagem bem diferente da notícia segundo a qual, no ano passado, "os brasileiros pagaram R$ 1,462 trilhão em impostos". Assim, dá para se entender porque é positivo que o Brasil cobre mais impostos do que os outros países do BRICS (12% da Índia, 19% da Rússia e 24% da China) e vizinhos da América Latina. Nosso modelo é diferente e estamos tentando buscar convergências por uma outra ordem global que não seja o lasseiz-faire, que lançou o planeta à bancarrota.

Assim é um elogio a informação de que nossa carga supera a média dos países do G-8 (29%), que estão destruindo seus sistemas de proteção e sociedades de bem estar, ou mesmo a dos EUA (24%), cujo presidente ainda está num esforço sobre-humano para aprovar uma espécie de "SUS" estadunidense, um estágio inferior ao nosso em garantia de direitos. Porém, ainda temos um longo caminho pela frente, já que estamos atrás das potências em bem estar social, em crise é verdade e com muito esforço liberal para destruir o futuro das novas gerações, como  a França (44%), Itália (43%), Alemanha (43%) e Holanda (38%).

Agora, precisamos avançar por alguns caminhos. 

A carga tributária brasileira não é alta como dizem os "especialistas" do neoliberalismo, mas é sim de má qualidade, já que cerca de 30% dos impostos são indiretos, que incidem sobre o consumo em vez da renda. Isso tem que mudar e é o aspecto principal da reforma tributária.

Além disso, a distribuição federativa ainda é ruim, em que pese esteja crescendo o potencial de investimento do total das unidades federativas, pelo menos de acordo com estes números absolutos. A União respondeu por 70% da arrecadação total. Estados responderam por 24,44% e municípios por 5,52%. Entretanto, neste caso, a construção da efetiva autonomia dos entes federados deve criar as condições para as convergências federativas, para a realização dos objetivos da República e proteger a escolha soberana da população nas mobilizações eleitorais. Um bom caminho para isso, no momento em que se pauta com força a questão dos royalties, é vinculá-los à políticas sociais e de desenvolvimento tenológico. Mais do que saber qual estado vai receber mais, é preciso definir o propósito deste resultado das nossas riquezas naturais.

O próprio ICMS deve ser refletido estrategicamente para além do dilema da guerra fiscal da tributação da importação ou se é correto tributar na origem ou na fonte, que, na prática, significa simplesmente, como no caso dos royalties, demarcar quem reberá mais ou menos. O ICMS poderia funcionar como um grande "FOCEM (Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul)" para reduzir as desigualdades regionais e suas dimensões sócio-econômicas.

Por fim, precisamos incrementar os serviços públicos que o PPA da presidenta Dilma prevê expansão, investindo 2,5 dos 5,5 trilhões projetados só na área social. E este incremento é de outra natureza. Precisamos enfrentar a reforma do estado, superando o sentido ideológico que ela adquiriu até aqui, calcada em conceitos como austeridade, terceirização, enxugamento da máquina, etc. Não devemos "disputar" ou nos apropriar do léxico liberal da administração pública. Até porque nossa reforma do estado ultrapassa a adaptação deste para nossa política conjuntural, é para além de ajustes nesta ou naquela lei. Temos que trazer as questões para o nosso campo, a esquerda.

"Eficiência", "efetivo", ainda que demos a eles significações outras, mantêm a coisa sob o prisma empresarial. E empresas não devem ser referenciais para o Estado, porque tem distintos indicadores de resultados. Às primeiras, o lucro. Ao segundo, o atendimento do interesse público. E, ao cabo, o Estado acaba "vivendo" para consertar os desacertos que empresas, sob a égide da inescapável anarquia de mercado, geram na vida social, econômica, política, cultural e intelectual de um povo e de um país. Muito embora possuam caráter de dinamizadoras da economia quando vigente a mão visível do Estado.

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Leopoldo Vieira é da Direção Nacional da Juventude do PT, assessor do Gabinete da Secretaria de Investimentos Estratégicos/SPI e Coordenador da Participação Social Ministério do Planejamento/MPOG.

2 comentários:

Anônimo disse...

Fantástica abordagem. Isso que nossos políticos devem absorver em vez de falarem tanta besteira. Uma cartilha de educação popular devia ser elaborada pra elucidar aos leigos, pra que não façam o jogo dos seus próprios algozes.

Anônimo disse...

Uma carga tributária de quase 36% sobre o PIB não é classificada como alta pelo articulista, o que significa que, para ele,a voracidade arrecadadora do governo do PT é plenamente justificável.

Com esse tipo de mentalidade tacanha, caminhamos a passos seguros para o abismo, como estão a revelar o crescimento de apenas 1% em 2012 e o uso dos recursos do Fundo Soberano para poder deixar no azul as contas do perdido governo do PT.

Consola saber, porém, que 2014 está cada vez mais perto.