Ao elogiar a iniciativa do prefeito Zenaldo Coutinho (e de sua secretária da Semob, doutora em "mobilidade urbana") em promover inauguração festiva de uma linha fluvial urbana Icoaraci/Belém de um barco só (vejam na foto de Adriano Magalhães, da Agência Belém), e ao salgado preço de R$ 10, renomado colunista "por dentro" dos fatos festeja o alcaide dizendo que ele descobriu um verdadeiro "Ovo de Colombo" . Como é que ninguém pensou nisso antes? - deveria também ter perguntado o ilustre jornalista.
Ovo de Colombo é uma expressão popular que significa que algo muito difícil de se realizar, embora pareça muito fácil depois de concretizado. É também uma metáfora usada para se afirmar que qualquer um poderia realizar o feito.
Na verdade, vimos pregando no deserto a ideia do transporte fluvial urbano, como melhor saída para o sufocante tráfego de Belém, há mais de 20 anos. Não reivindicamos qualquer título ou medalha, muito menos o epíteto de "pai da criança". Sempre defendemos ideias de melhorias para Belém , como uma espécie de cronista não oficial da cidade, apontando problemas, mas, também, indicando sugestões e ações prospectivas de gestão.
Na década de 80, como jovem repórter de "A Província do Pará", cobrimos uma coletiva com os então também jovens técnicos japoneses da Consultoria Internacional Jica , quando apresentaram seu Projeto de Desenvolvimento do Tráfego Urbano (PDTU) para Belém, após dois anos de pesquisas e estudos criteriosos, com aquele rigor e seriedade que são marcas características da cultura japonesa.
Com base em premissas técnicas, alertavam então que Belém poderia "travar " por volta do ano (então longínquo) de 2010, caso não fossem adotadas as medidas, obras e serviços listados em seu bem elaborado Plano.
Lembramos claramente que, dentre as obras programadas para desafogar os principais corredores de tráfego da cidade (os mesmos de hoje), constavam dois anéis viários, um no Complexo do Entroncamento e outro no Largo de São Brás, ambos com elevados que permitiam o fluxo contínuo do tráfego, sem sinais de três/quatro tempos, de nenhum tempo. Elevados nos principais cruzamentos da Av. Almirante Barroso - Lomas e Humaitá.
Na Bandeira Branca previa um túnel com duas pistas para facilitar o acesso à Ceasa dos veículos pesados e evitando novos sinais na Almirante Barroso. Outra recomendação: construção de Terminais de Integração , um em São Brás e outro na atual Praça "Waldemar Henrique". Também indicavam a adoção do metrô de superfície então já existente em várias cidades com mais de 1 milhão de habitantes.
Quantos gestores tivemos desde então? Seis ou sete? Nenhum deles procurou dar continuidade ao Plano da Jica, preferindo marcar sua "passagem" com alguma obra que pudesse chamar de sua.
O prolongamento da João Paulo II (outra obra planejada pelo PDTU dos japoneses) também ficou pela metade e não ajuda (ao contrário, até complica) em desafogar o gargalo infernal do Complexo do Caos, que virou o Entroncamento. A única obra positiva foi construída com verba federal pelo governo do Estado, que é a Nova Independência, facilitando o acesso à BR-316, sem passar pelo Entroncamento de cerca de 20 mil veículos, diariamente. As demais iniciativas como pretensas soluções para os problemas de mobilidade urbana, apenas os tem agravado, como intervenções do tipo de inversão de mão em algumas vias, cocadas baianas e tartarugas do asfalto , como balizadores do trânsito, entre outras ações típicas da improvisação e da falta de continuidade no planejamento e na gestão do tráfego da cidade.
Em Belém circulam hoje cerca de 500 mil veículos (na época do PDTU dos japoneses da Jica eram apenas 100 mil ) e a cada mês mais dois mil veículos são liberados para rodar praticamente pelas mesmas e já congestionadas ruas. As vias de uma cidade são como as veias do corpo humano: quando entopem provocam o colapso do organismo. Todos sabem, menos as "autoridades competentes", que a solução para os graves problemas de mobilidade urbana de Belém não virá com o sistema BRT, cuja execução atabalhoada só tem contribuído para ampliar os problemas enfrentados diariamente pela população. Além disso, já foram consumidos mais de R$-200 milhões e a obra continua emperrada, atrapalhando o tráfego ao invés de desafogá-lo.
A solução natural e menos onerosa sempre foi a criação de linhas fluviais urbanas interligando Belém a Mosqueiro/Icoaraci/Outeiro/Combu e ilhas, utilizando-se o enorme potencial das abundantes águas que rodeiam a cidade como vias naturais. Mas isso, os "coronéis do atraso" sempre teimaram em não admitir. Há dois meses foi aberta uma licitação para a primeira linha fluvial Icoaraci/Belém. Sabe-se apenas que os donos de ônibus não gostaram da ideia e fizeram chegar seu descontentamento a quem de direito. Então, a Semob informou apenas que a licitação foi considerada "deserta", por falta de interessados...
Agora, ao 'inaugurar" a linha fluvial de elite Icoaraci/Belém, ao preço de R$-10 a passagem, o prefeito, com assistência técnica de sua assessora doutora em mobilidade urbana, anuncia nova licitação, a ser aberta nesta segunda-feira, 18 de janeiro, para uma linha fluvial urbana com "preços populares"(sic) ...
Perguntar não ofende. Então:
1) - Por que só um dia depois dos festejos dos 400 anos de Belém ocorreu essa descoberta do "Ovo de Colombo" de que o transporte fluvial urbano seria uma "grande sacada" ?
2) - Por que não houve planejamento e estudos de viabilidade econômica a tempo de se inaugurar efetivamente o transporte fluvial urbano interligando Belém a Mosqueiro/Outeiro/Icoaraci/Belém como presente e como parte dos festejos comemorativos aos 400 anos de Belém ?
A improvisação e a falta de planejamento adequado podem acabar matando no nascedouro mais uma boa ideia, como é o caso da "saída" pelas águas para os problemas graves de mobilidade urbana de Belém. Passagem a R$-10 reais é para turista, não para s trabalhadores, estudantes, aposentados e donas de casa que usam transporte coletivo para se deslocar para o trabalho ou estudo em Belém. Transporte coletivo fluvial urbano requer no mínimo passagens com valores aproximados dos ônibus, algo em torno de três a quatro reais. E também que seja operado de modo contínuo, com saídas de 30 em 30 minutos, no máximo.
Como anunciado, apenas com um barco operando, a preços para turistas, o "Ovo de Colombo" pode acabar se transformando em "Ovo da Serpente", no sentido da frustração que pode gerar na população, após o "bombardeio" da propaganda e dos elogios da mídia camarada em trombetear a "grande sacada" tardiamente anunciada aos quatro ventos.
FRANCISCO SIDOU é jornalista
chicosidou@hotmail.com
5 comentários:
Sobre o túnel da bandeira branca, dizem que o Ed quis fazer. Também segundo as versões, dizem que não fez porque Almir não deixou ou pela existência de adutora da cosanpa. Se a última versão for correta, os japas não sabiam?
Caro Sidou.
Não apresente tantos "por quês" porque não terás respostas. Sem demérito aos nipônicos, mas apenas para aproveitar a oportunidade, até eles, há muitos anos passados, já tinham os olhos bem abertos quanto à esta óbvia questão do transporte aquático.
O que entristece é o dinheiro que vai pro ralo com projetos não implantados. Com os viadutos, anéis e passagens subterrâneas citados por você, o trânsito seria quase uma maravilha. Ficaria faltando só a educação a uma parte dos motoras. Aqueles que acham que o pisca-alerta é a varinha do Harry Potter e deixa seus veículos invisíveis na fila dupla.
Dando uma pista a um dos teus "por quês", há, no meio desta estrada fluvial(é fluvial?) uma excrescência chamada de "empresários de ônibus". Baratas não deixam barato. Nem gostam de limpeza e conforto. Ar condicionado então, nem se fala.
Como é que só colocam uma lancha na linha? E se fura o pneu?
Kenneth
Agora criticam porque tem o transporte, vai entender!
Na verdade, caro Kenneth, os japas previram o transporte fluvial urbano. Lembro até de uma pergunta que fiz na coletiva : se o caminho das águas não seria a melhor solução para desafogar o tráfego urbano.Então, um deles respondeu: sim, com certeza, mas precisa de um estudo de viabilidade econômica e de barcos com capacidade de no mínimo 200 passageiros para baratear os custos e possibilitar uma passagem a preço similar ao cobrado pelos ônibus convencionais. É isso. Nada disso foi feito, nem planejado, passados mais de 30 anos e cerca de seis prefeitos municipais. Daí...
Paulo Bemerguy, caro amigo.
Sem querer polemizar com o amigo Francisco Sidou, mas vou vestir a carapuça: acho que o renomado jornalista "por dentro" citado pelo Sidou sou eu, que, digamos assim, coloquei o Ovo de Colombo no título de uma nota da minha coluna Por Dentro, de O Liberal.
Acho que o Sidou está equivocado ou leu mal: em nenhum momento escrevi que o Zenaldo Coutinho inventou o Ovo de Colombo - o transporte fluvial de passageiros entre Icoaraci e o Ver-o-Peso numa lancha para 133 passageiros da empresa Tapajós, privada.
Quando Caldeira Castelo Branco chegou por aqui, há 400 anos, os tupinambá já ensinavam que o transporte fluvial era o mais pertinente na maior bacia hidrográfica do planeta, com seus 20 mil quilometros de rios navegáveis.
Então, discutir aqui quem é o "pai da criança" é perder tempo e papel.
Como dizia Napoleão Bonaparte: "A vitória tem mil pais, mas a derrota é orfã!"
Tenho um amigo brasiliense, de Brasília, que diz: "Jornalista modesto nasce morto"... Vai ver, ele tem razão.
Grande abraço do amigo de sempre.
Ronaldo Brasiliense
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