Belém, na sua essência maior, tem o seu lado
poético, que se revela na chuva que lava as ruas e a alma. Só quem já saboreou
uma manga madura caída do pé tomando banho de chuva numa tarde de Belém pode
sentir a verdadeira magia da cidade.
Falar mal de Belém não é a melhor maneira de se
comemorar seus 400 anos. São tantas as demandas da cidade que, se cada gestor,
nos últimos 100 anos pós-Antônio Lemos - talvez o único estadista que governou
a cidade - tivesse pelo menos realizado uma única obra relevante em seu
mandato, Belém hoje seria uma das metrópoles mais modernas e bonitas do país.
Na área do saneamento , por exemplo, existem
demandas reprimidas como a da Bacia do Tucunduba, que estão provocando
alagamentos e sofrimentos a mais de 200 mil de pessoas que residem na sua área
de confluência. São outros tantos que sofrem nas áreas da Estrada Nova, do
Barreiro e do Tapanã, por falta de saneamento básico e de água encanada. As
obras não conseguem andar, apesar do otimismo e das promessas de todos os
candidatos a prefeito nos últimos 50 anos, em suas campanhas e visitas antes da
eleição...
Os transtornos diários no trânsito da cidade
provocados pelo estrangulamento de seus principais corredores de tráfego são
cada vez mais estressantes e onerosos. Os custos não só econômicos, mas também
sociais e na saúde, por deteriorar cada vez mais a qualidade de vida da
população. Planos, planilhas e projetos se acumulam nas estantes e gavetas da
Codem e da Semob. Na década de 80, os consultores da Jica , ao concluírem um
dos muitos Planos Diretores de Tráfego Urbano (PDTU) encomendados e abandonados
por vários prefeitos, já alertavam, com base em premissas técnicas, que Belém
poderia "travar " por volta do ano (então longínquo) de 2010, caso
não fossem adotadas as medidas, obras e serviços listados em seu bem elaborado
Plano. Só para lembrar: entre as obras planejadas constavam anéis viários no
Entroncamento e em São Brás, elevados nos principais cruzamentos da Almirante
Barroso( Humaitá e Lomas),além de Terminais de Integração em São Brás e na
atual Praça "Waldemar Henrique". Também recomendavam a adoção do
metrô de superfície então já existente em várias cidades com mais de 1 milhão
de habitantes.
Quantos gestores tivemos desde então? Seis ou
sete? Nenhum deles procurou dar continuidade ao Plano da Jica, preferindo
marcar sua "passagem" com alguma obra que pudesse chamar de sua. Um
deles chegou a se comparar ao grande "Antônio Lemos", que deve ter-se
retorcido todo em sua tumba, tal a lambança herética do Dudu...
Sinais de três e quatro tempos, medidas
improvisadas e obras cosméticas realizadas nos últimos 30 anos, por falta de
continuidade e de planejamento, não foram suficientes para acompanhar o ritmo
de crescimento desordenado do sistema de tráfego da cidade. Em Belém circulam
hoje cerca de 500 mil veículos e a cada mês mais de três mil veículos são
liberados para rodar praticamente pelas mesmas e já congestionadas ruas. As
vias de uma cidade são como as veias do corpo humano: quando entopem provocam o
colapso do organismo. Todos sabem, menos as "autoridades
competentes", que a solução para os graves problemas de mobilidade urbana
de Belém não virá com o sistema BRT, cuja execução atabalhoada só tem
contribuído para ampliar os problemas enfrentados diariamente pela população.
Além disso, já foram consumidos mais de R$-200 milhões e a obra continua
emperrada, atrapalhando o tráfego ao invés de desafogá-lo. A solução natural e
menos onerosa seria a criação de linhas fluviais urbanas interligando Belém a
Mosqueiro/Icoaraci/Outeiro/Combu e ilhas, utilizando-se o enorme potencial das
abundantes águas que rodeiam a cidade como vias naturais. Mas isso, os
"coronéis do atraso" não permitem. Há dois meses foi aberta uma
licitação para a primeira linha fluvial Icoaraci/Belém. Mas ninguém mais teve
notícias sobre o seu "fechamento". Sabe-se apenas que os donos de
ônibus não gostaram da ideia e fizeram chegar seu descontentamento a quem de
direito. Então, a Semob informou apenas que a licitação foi considerada
"deserta", por falta de interessados...
Por que, então, não se faz outra licitação,
agora com abrangência nacional e até internacional?
Pregamos no deserto pela solução fluvial urbana
há mais de 20 anos. Pelo visto, os donatários da cidade continuam fazendo
ouvidos moucos e dando as costas para o futuro de Belém.
Em Santarém já operam modernas lanchas tipo
catamarã (foto) desafogando o tráfego na cidade e proporcionando uma viagem
agradável e desestressante. Enquanto isso, em Belém, as ruas não cabem mais
carros, os passageiros andam cada vez mais estressados e não se vislumbra outra
solução de mobilidade urbana que não seja o ultrapassado BRT, cujas obras
intermináveis só tem contribuído para aumentar mais ainda o congestionamento
dos principais corredores de tráfego já saturados.
São muitas também outras demandas que a cidade
reclama, como a correção das calçadas irregulares e precárias, obrigando os
pedestres a caminhar pelo meio fio e até na pista, expondo-se a sérios riscos
de ser atropelados.
Mas vamos celebrar Belém falando das coisas boas
da cidade que todos amamos e desejando como presente que ela em breve possa ter
também um novo prefeito-estadista. No fundo, todos gostaríamos de ter, pelo
menos, 400 motivos para festejar os 400 anos de nossa cidade. Cidade que,
apesar dos descasos na sua gestão e de maus tratos promovidos por alguns filhos
insensatos, continua linda e singular na variedade de seus encantos e na magia
de seus sons, cheiros, sabores e cores.
Um comentário:
Tem uma novela passando por aí onde as pessoas reencarnam ou coisa parecida. Tomara que tenhamos a sorte do Antonio Lemos também reencarnar por aqui.
Kenneth
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