segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Causa estranheza, sim


Ninguém, mas ninguém mesmo esconde a decepção de ter sido silenciado ou amordaçado por pressão de militares. A rotina de violências que predominou durante certo período da política brasileira, os chamados anos de chumbo, em que desapareceu há 40 anos o deputado federal Rubens Paiva preso por militares. Jamais se soube de seu paradeiro nem seu corpo foi encontrado. Ao lado de Vladimir Herzog e Stuart Angel, Rubens Paiva se tornaria um dos símbolos do período mais obscuro da história brasileira.
Mas é preciso analisar e até por isso causou estranheza e, digamos assim, desânimo que na sexta-feira, 18, na cerimônia de assinatura pela presidente Dilma Rousseff da lei que cria a Comissão da Verdade, a filha de Rubens Paiva, a psicóloga Vera Paiva, tenha sido impedida de ler o discurso que preparara. Como sempre e para casos semelhantes não houve justificativa oficial para o cancelamento ou algo parecido. Tudo se resumiu a um discreto pedido de desculpas da ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, que, na hora, a filha de Paiva, claro, não entendeu. Só saberia no dia seguinte que teria havido “pressão” dos militares para que os familiares dos desaparecidos não se pronunciassem na solenidade. E mais uma vez a “imaginária” fita gomada funcionou e de fato não falaram.
Apesar de Vera Paiva ter sido convidada, pela ministra Maria do Rosário, por quem tem certo afeto. E ela falou que, na medida do possível, se a agenda permitisse, ela falaria na cerimônia em nome dos parentes desaparecidos. O que aconteceu é que a cerimônia correu sem que Vera tivesse sido chamada. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, falaram à vontade. Vera não foi contemplada, mas ficou muito decepcionada. Não sabe se foi só um erro político... Por que também não deixaram os militares falar? O que eles poderiam dizer? O fato é que a gente descobre mais uma vez que é uma luta dura, que vai ser uma luta difícil para essa comissão. Será que a Comissão da Verdade possa chegar aos assassinos desses símbolos do período dos coturnos, ou dos outros desaparecidos? É para que isso não se repita. Foi por isso que esses bravos brasileiros tiveram suas vidas ceifadas.
Ah! Outro foco precisa ser investigado, um dos episódios mais abjetos da ditadura (1964-1985) continua encoberto por negras e espessas nuvens: a Operação Condor. Trata-se de uma aliança firmada por militares sul-americanos para perseguir, prender, torturar e, eventualmente, eliminar dissidentes políticos. Há numerosos registros históricos que comprovam a existência desta cooperação de aparatos de repressão da década de 1970, embora o Estado brasileiro nunca tenha reconhecido oficialmente sua existência. Há que se fazer uma apuração criteriosa deste complô que suspeita-se serem os responsáveis pelas misteriosas mortes de JK, JG e Carlos Lacerda.
Quando exilado na Argélia, Miguel Arraes quase foi vítima da Operação Condor. Apesar da gravidade dos fatos que se sucederam, o ex-governador de Pernambuco só revelou o que sabia nos últimos anos de sua vida. Arraes escapou três vezes da morte no exílio, inclusive numa operação tramada pelo delegado Sergio Fleury. O fracasso dos EUA no Vietnã teve influência em outros lugares do mundo, inclusive no Brasil. É por isso que é preciso investigar a Operação Condor. Sem ter um foco, essa comissão corre o risco de não dar em nada.
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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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