segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Uma transição civilizada


Em meados do ano passado, foi realizada uma pesquisa de opinião para as eleições presidenciais no Chile, que mostraram uma consolidação do candidato oposicionista Sebastián Piñera com relação ao seu principal adversário, o candidato situacionista, o ex-presidente Eduardo Frei. À época, Piñera tinha 43% dos votos contra 41% de Frei num eventual segundo turno, apresentando um nítido empate técnico.
Um mês depois, Piñera aparece com 41% contra 33% de Frei, abrindo assim, uma vantagem de oito pontos percentuais. Como explicar a perda de votos de Frei? Com certeza pelo crescimento do candidato independente Marco Enriquez Oinami, que alcançara 13% dos votos do primeiro turno e não se sabia ao certo qual seria sua posição no confronto entre Piñera e Frei num segundo turno.
Um cenário preocupante para a candidatura de Frei, até em função da aprovação popular da presidente Michelle Bachelet, uma unanimidade em seu País com 73% de popularidade, o que mostra uma incapacidade de transferir votos.
A estratégia de Piñera não era polarizar propostas com o atual governo, até porque estava muito bem avaliado. Sem falar que a América Latina passa por momentos políticos conturbados, com líderes querendo permanecer no poder e o discurso de Piñera era no sentido de que o Chile deve dar o exemplo de consolidação da Democracia no Continente. O foco de Frei é dar continuidade ao trabalho desenvolvido por Bachelet. As estratégias foram colocadas em jogo. Quem venceria as eleições em dezembro?
Todos já sabem que o candidato conservador Piñera saiu vitorioso de uma disputa que tem tantas analogias com a situação brasileira que a reta final foi acompanhada de perto por políticos e marqueteiros de São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro.
O interesse sobre o caso chileno envolve o mais intrigante fator eleitoral da sucessão do Nosso Guia: o poder de transferência de votos de um presidente com altíssimos índices de popularidade. A conclusão da população é que a vitória de Piñera demonstra que um presidente pode ajudar a fazer seu sucessor - mas as virtudes e os defeitos de cada candidato podem ter um papel decisivo na escolha do eleitor. Ah!

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“O candidato conservador Piñera saiu vitorioso de uma disputa que tem tantas analogias com a situação brasileira que a reta final foi acompanhada de perto por políticos e marqueteiros de São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro.”
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Embora parecidos, mas não são iguais. O que há de comum nas trajetórias políticas de Lula e Bachelet: ambos bateram recordes de aprovação popular; seu candidato a sucessor é pouco popular, ambos implantaram o Bolsa Família. Outra semelhança diz respeito ao perfil dos candidatos que receberam apoio. Ainda que por motivos opostos, ambos têm um perfil problemático. Dilma Rousseff, pela falta de biografia eleitoral. Frei, o concorrente chileno, pelo motivo oposto: o desgaste demasiado. Onde não se parecem: Lula escolheu se sucessor, Bachelet não; Lula usa a máquina do Estado para promover seu candidato, Bachelet não; sua imagem não foi abalada pela crise econômica, a de Bachelet foi.
A maioria dos observadores concorda de que a eleição chilena foi resolvida pela comparação entre cada candidato. A opção no segundo turno não era entre direita e esquerda, governo e oposição, mas entre o melhor e o pior candidato.
Herdeiro do conservadorismo chileno, que obteve a última vitória presidencial há mais de meio século, Piñera assumiu bandeiras sintonizadas com a evolução dos costumes. Cortejou o voto feminino ao prometer a distribuição gratuita da pílula do dia seguinte, considerada abortiva, e ainda assinou um compromisso público em defesa do casamento de homossexuais - bandeiras que o democrata-cristão Frei não podia abraçar.
Foram tantas as manifestações de civilidade política que cercaram a vitória de Piñera no segundo turno da eleição para o maior cargo majoritário do Chile que merece se tornar um motivo de orgulho não só para seus cidadãos, como para todas as pessoas de bons propósitos, em qualquer lugar do mundo.
A lição do Chile para o Brasil mostra a eleição do candidato da oposição chilena ensinando que a transferência de votos é importante - mas é fundamental prestar atenção em cada concorrente. Os chilenos elegeram Piñera, um político de direita com uma agenda centrista parecida com a da coalizão de esquerda que governa o país. Foi a vitória na era do consenso. Espera-se que Sebastián Piñera corresponda à responsabilidade.

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Sergio Barra é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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