domingo, 14 de fevereiro de 2010

Uma economia vibrante


Faz mais ou menos um ano, a economia global foi salva pelos governos mais importantes do mundo. Voltemos a outubro de 2008. O banco Lehman Brothers tinha simplesmente desaparecido, a seguradora AIG se utilizava de muletas, todos os bancos viam seu balanço entrar em colapso, amparados por tipóia. Em todo planeta, o crédito estava congelado, e o comércio caminhava a passo de cágado. Então, veio uma série de ações, partindo de Washington - grana alta para os bancos, pacotes de salvamento, estímulos fiscais e juros baixos.
Não é pecado dizer que essas medidas evitaram a depressão. Todavia, a crise alimentou uma inesperada desaceleração, que afetou todos os países do mundo. A grande surpresa de 2009 foi a resistência dos chamados mercados emergentes - Índia, China e Indonésia -, cujas economias seguiram vibrantes. Mas um país não só sobreviveu como prosperou: a China.
A economia chinesa cresceu mais de 8,5% em 2009, as reservas de moeda estrangeira alcançaram patamares nunca dantes imaginados, algo em torno de US$ 2,3 trilhões e o pacote de Pequim deu início à próxima grande fase de expansão da infraestrutura no país.
Especialistas e analistas fora unânimes ao afirmarem que: "Todos os outros governos reagiram a essa crise defensivamente, protegendo os pontos fracos. A China usou a crise para avançar agressivamente". É legítimo dizer que o vencedor da crise econômica global é Pequim.
É bom lembrar que quase todos os países ocidentais entraram na crise mal preparados. Os governos estavam gastando muito dinheiro e administrando dívidas altas. Quando tiveram de gastar maciçamente para estabilizar a economia, os déficits dispararam rumo à estratosfera.
A China entrou na crise em uma posição completamente diferente. Estava administrando um orçamento excedente e aumentando as taxas de juro para segurar o crescimento excessivo. Os bancos seguravam as rédeas dos gastos dos consumidores e do excesso de crédito. Quando a crise chegou, o governo chinês pôde adotar medidas ortodoxas - essa turma do "zolinhos amendoados!": estrategicamente, baixou as taxas de juros, aumentou os gastos do governo, liberou o crédito e encorajou os consumidores a começar a gastar.
Observe na natureza do estímulo da China. A maior parte do gasto do governo americano é dirigida ao consumo - sob a forma de subsídios, salários, benefícios para a saúde etc. A China vai no contraponto, o dinheiro chinês vai para o investimento a longo prazo: infraestrutura e tecnologia. Apenas um "pequeno" exemplo, serão gastos US$ 200 bilhões em ferrovias - boa parte delas de alta velocidade - nos próximos dois anos.
O famoso provérbio lá funciona: "Não dê o peixe, ensine a pescar". A China está consciente de sua dependência de petróleo e age de forma previdente. Agora, gasta mais em tecnologia solar, eólica e de bateria que os EUA. A China é exótica. Essa mistura de intervenção estatal, mercados, ditadura e eficiência é desconcertante, mas é hora de parar de azarar e desejar o fracasso da China e começar a entender seu sucesso e se adaptar a ele.
Hoje, a invasão chinesa se espraia e chega a todas as partes do mundo. Não vamos muito longe, aqui mesmo, o Brasil foi amparado pela China em 2009, quando a crise derrubou nossas exportações. A venda de commodities para aquele país garantiu o superávit da balança, mas em 2010 o que preocupa é a postura cada vez mais agressiva da segunda economia do mundo na ocupação de espaços do comércio na América Latina.
A evolução das exportações de produtos industriais do Brasil e da China para a América Latina mostra muito bem o apetite desse gigante asiático. E os números confirmam o avanço dos chineses, que este ano devem se voltar ainda mais para a região, buscando compensar o recuo do comércio dos EUA e Europa.
O Brasil, que sempre liderou o mercado de exportações na América Latina, de produtos semi e manufaturados, hoje corre o risco de perder essa liderança. O dado mais impressionante é relativo ao período da crise. No ano passado, quando a turbulência global derrubou as exportações no mundo, as vendas do Brasil para a América Latina caíram 31%, enquanto as da China recuaram bem menos, 19%.
A perda de espaço nesse mercado é preocupante porque a América Latina tem um peso muito significativo na balança comercial brasileira. Antes da invasão chinesa, o Brasil era o líder isolado de exportações para os vizinhos. Contudo, é muito preocupante esse avanço da China sobre o mercado latino-americano e o Brasil terá dificuldades para ampliar as exportações de semi e manufaturados, que caíram fortemente em 2009. As incertezas ainda vigentes sobre o comportamento da economia mundial também reforçam essa tendência. Todo cuidado é pouco. A China está cada vez mais agressiva e determinada a conquistar a América Latina.

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Sergio Barra é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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