sábado, 13 de fevereiro de 2010

Um “veio otário” na parada de ônibus

Vocês pensam que apanhar um ônibus ou uma van não é uma arte?
É sim.
Claro que é.
Leiam o que o leitor Sérgio Gama Alves mandou para o blog.
E concluam.
Vocês mesmos.
Vejam como é que um cheiroso foi espremido pela mulher melancia.

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Como meu carro estava com problemas, resolvi pegar uma condução popular (ônibus ou van) para ir até a casa de um irmão, na mesma Augusto Montenegro onde moro, para de lá pegar carona até a Justiça do Trabalho. Pegar um táxi até a Praça Brasil ficaria salgado demais. Eu me arrependi da graça. O percurso não é grande, mas deu para sentir na pele (e nos pés, no bumbum, nas costas, nas mãos, enfim, no corpo todo) as vicissitudes dos passageiros no dia a dia.
Como de costume, arrumei-me todo, roupa bem engomada, gravatinha, bem perfumado (parecia o Boticário ambulante) e fui para a parada do ônibus. Não demorou para passar o primeiro.
Direto. Não parou.
Fiquei ali, com cara de leso, o braço levantado. Ao meu lado, uma mocinha me ignorava, mas com certeza pensava só com ela:
- Esse véio tá pensando o quê? Só porque tá todo arrumadinho os motora vão parar na primeira? Vá esperando, vá esperando...
Então, veio uma van. Fiquei meio na dúvida se faria sinal com as mãos ou não.
Fiz. Outra decepção. Só senti o vento.
Nem olhei pra gatinha. Mas imaginei seu pensamento:
- Otário!
Engraçado é que, de todos na parada, meia dúzia de pessoas, só eu fazia sinal com as mãos. Fiquei intrigado. Será que mudou a forma de sinalizar? Será que agora é só com a boca? Imaginei como seria: entortando, fazendo trejeitos, abrindo bastante, para ser vista à meia distância.
Ou com os olhos, tipo piscando ou arregalando. Não, não podia ser.
Ah! Com as pernas, assim, levantando um pouquinho. Não, não, com as pernas não. Pegaria mal. É meio boiola. Esse pensamento me distraiu o suficiente até passar outro ônibus. Já fui me colocando quase no meio da pista.
Não levantei o braço apenas, como nas outras vezes. Fiquei ali parece uma borboleta, batendo os dois braços de uma vez só. Ele parou.
Fui caminhando devagar até a porta traseira. Outro mico: a entrada é pela frente.
A mocinha caiu na gargalhada, apontando para mim. Acho até que ouvi ela dizer:
- Otárioooo!
Meu martírio apenas começara.
Ao entrar no ônibus, uma distinta senhora levantou-se rapidamente e parece que mirou meu pé com aqueles saltos altos e fininhos.
Segurei o grito, arregalei os olhos para a não mais distinta senhora, respirei fundo, pensei: PQP, vai pisar na porra do pé da vaca da sua mãe, mas só saiu: “Não se preocupe, não doeu.”
O ônibus não estava lotado, mas cheio, com todas as cadeiras ocupadas e vários passageiros em pé.
Estacionei mais ou menos no meio do corredor. Olhei para o assento à minha frente. Outra moça. Celular entre os seios. Não chega a ser inusitada a forma de carregar, mas é estranho, não é? O que será que ela sente quando vibra? Experimentei uma curiosa emoção. Havia anos que não andava de coletivo. Lembrei de outros tempos, em que eu torcia para que o ônibus ficasse cheio. É, eu ficava lá atrás, esperando encher, para depois passar para a frente (antes a descida era pela porta da frente). Torcendo para passar por alguma gostosona no meio do caminho. Só que agora eu estava lá no meio, de costas para o corredor. E o ônibus enchendo! Perdi a conta de quantos celulares eu senti passar pelo meu bumbum. Eu me apertava todo, como se me protegesse de alguma coisa que não queria que entrasse em mim.
Até que passou uma senhora, forte. Não: gorda. Bem gorda. Um bumbum tão grande que pareciam duas melancias, lado a lado. Ela foi, foi, foi, e eu espremido ali, com as bolas naquele ferro da cadeira. Acho que vou ter de usar cuecas de espuma por alguns dias.
Passou uma das melancias. Deu tempo para respirar duas vezes. Até que ela passou por inteiro. Que alívio!
Problema à vista: estávamos nos aproximando da minha parada de descida, e a fruteira ficou estacionada logo à frente. O tormento iria recomeçar. Só que, dessa vez, eu abriria passagem. Contei até dez, respirei fundo, e fui.
Licença, licença, licença... Não adiantava, ninguém arredava um centímetro. A impressão que tive, sinceramente, era de que os passageiros ficavam até irritados quando tentava passar pedindo licença. Como se pensassem: que é isso, moço, vá passando na marra e deixa de frescura. A fruteira foi direta: "Ei, cheiroso! Dá seu jeito aí, que eu me aguento!"
Desci do ônibus todo amassado, quebrado, gravata torta, frouxa.
Tontinho, tontinho. Cambaleando.
Os sapatos pareciam outros, não os mesmos onde que eu me via refletido de tanto brilharem ao sair de casa.
Quando cheguei à porta do meu irmão, minha cunhada atendeu aflita, o ar de desespero: que foi, Sérgio? Foi assalto? Te bateram?
Não, não, foi só um trem lotado que peguei.
Depois dessa, decidi: na próxima vez, viro Angélica: vou de táxiiiiiii...

5 comentários:

Bia disse...

Bom dia, caro Paulo:

que sorte tem o Sérgio! Esta desdita lhe foi pontual, única em anos!

Para quem é usuário do transporte público na Duciolândia (obrigada, Luiz Braga!) esse martítio é trivial, cotidiano.

Agora que sou uma provecta senhora de 60 anos, consigo, às vezes, o beneplácito - sim, porque direito é de outra forma - de ficar nas cadeiras da frente, sem o sufoco da roleta e do engarrafamento na parte traseira do dito coletivo.

Mas, assisto da minha janela privilegiada o desrespeito diário contra os usuários, a corrida atrás do ônibus, quando o motorista decide parar a um quarteirão do ponto, os sinais desesperados, nem sempre de borboletas batendo asas, mas algumas vezes parecendo afogados se debatendo no asfalto.

O cansaço, o desrespeito, a aflição, no entanto, parecem ter sido incorporados pelos usuários, como se fossem brindes da viagem. Nem um pio, nenhum protesto.

Na Duciolândia já nos esquecemos o que é cidadania.

Abração, Paulo.

Anônimo disse...

Muito boa a postagem. São cenas cotidianas para quem utiliza o precário sistema de transportes coletivo em Belém, que é um caos.
Marlon George

Anônimo disse...

Sou solidário ao meu amado irmão.
Como bem disse a Bia, sorte dele que não faz isso todo dia.
Pegar ônibus virou uma aventura funesta nesta cidade que não respeita os cidadãos, onde o Poder Público humilha os mais pobres e a exigência do mais elementar direito é tomada como ofensa pessoal. Agora, meu querido brother, aqui para nós: esse negócio de fazer sinal para o ônibus imitando uma borboleta, não sei não... Por mais ecológico que pareça, pode ser muuuuuuito mal interpretado. Nem o meu particular amigo Inocêncio Gorayeb, entomólogo dos bons, aprovaria. Cuidado! Cuidado! a) Paulo Silber

Anônimo disse...

Égua da crônica boa!
Se vale o palpite, um fino observador do cotidiano com um texto tão gostoso como o Sérgio deveria aparecer mais vezes por aqui.
Eu também ando de ônibus mas nunca que ia saber contar minhas desditas com a verve que ele tem.
É isso: se o povo está anestesiado nessa Duciolândia (já pegou, Luiz Braga) infame o jeito é apelar aos latinos: Ridendo castigat mores.

Luiz Otavio Braga disse...

Rolei de rir da aventura. Aliás, chorar e reclamar não tem adiantado mesmo, né? Sugiro ao autor uma carona no translixo, que outro dia levou um passageiro de carona até o Julia Sefer. Agora, aproveitem logo pois parece que o contrato da empresa de lixo está vencendo e talvez Duciolandia fique sem coleta de lixo. Melhor impossível!