quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

O medo de Hitler


Adolf Hitler, o carrasco nazista, voltou às manchetes esta semana. Desta vez, não pelas crueldades que praticou contra milhões de pessoas. Voltou porque, segundo o alemão Menevse Deprem-Hennen, o temido líder tinha medo de dentista. Essas conclusões constam do livro "O Dentista do Diabo", tese de doutorado de Menevse.
Para chegar a essas conclusões, o recém-doutor investigou relatórios há muito perdidos. Verificou, por exemplo, que Hitler deu muito trabalho a seu dentista particular, o general nazista Johannes Blaschke, chamando-o muitas vezes. Era um problema crônico. Uma doença periodontal que deixava Hitler com halitose e uma terrível dor. Porém, o homem que torturava seus contemporâneos em câmaras de gás preferia um analgésico a submeter-se a um tratamento de canal. Sofria da síndrome do avental branco e tinha pânico de broca.
Refletindo sobre esses estudos, a gente observa quanto erramos por não atentar para o próximo. Realmente, a lição sobre modos de tratamento deve ser aprendida conosco. Hitler era preconceituoso e pensava que tinha poder. Na verdade, o que tinha mesmo era medo, como qualquer mortal. Isso é muito interessante.
Em relação às demais pessoas, nossa visão é sempre contemplativa. É a partir de nosso mundo que as conhecemos. O que elas fazem ou deixam de fazer apenas auxilia nossa forma verdadeira de conceituá-las. Auxilia. Às vezes mal, porque nem sempre essa comunicação corresponde exatamente ao seu mundo de valores. Boa parte do que reputamos como perversidade não passa de deslizes e até doenças. Friamente, isso se aplica inclusive a Hitler.
Porém, como podemos evitar uma atitude lesiva contra nossos irmãos? Olhando primeiro para nós. Se choramos, eles podem chorar. Se gostamos de ser amados, compreendidos e perdoados, eles também gostam. Nascemos, vivemos e morremos: esse é o laço que nos prende com a mesma força. Como nascemos, vivemos e vamos morrer é a distância que nos separa. Mas apenas como história de vida. Tudo o que chamamos de "viver" situa-se entre os dois extremos.
Dois milênios de alvorecer, e a regra áurea dos evangelhos é atualíssima. Tese de doutorado. O pano de fundo de toda essa história sobre Hitler: tratar o próximo como a si mesmo. Desejar a ele o que queremos para nós mesmos e nossa família. Saúde, paciência no trânsito, cortesia, bom atendimento, alegria, paz em casa e no trabalho, prosperidade, um bom almoço, dentes perfeitos, sossego noturno e nos finais de semana, respeito. É o que desejamos para o círculo doméstico à nossa volta. Todos queremos. Todos. Cada um de per si. Cada um e seu grupo.
Hitler não precisava ter arruinado o mundo. Não precisava investigar superioridade de raças para ser um bom camarada. Bastava parar e refletir sobre seus próprios dentes. A sabedoria que precisa para viver dignamente estava na boca. Morava nas gengivas inflamadas do homem de ferro. Filosofando sobre isso, poderia imaginar como deviam doer as feridas abertas no corpo e na alma dos homens, mulheres e crianças que ele torturou.
Caso a doença em si não fosse suficiente, Hitler poderia refletir sobre o medo da broca que o dominava. Na cadeira de Johannes Blaschke, podia converter medo em fé; dor, em solidariedade. Depois do tratamento, seria um homem mais justo. Talvez pensasse duas vezes em maltratar seus semelhantes. Sob este prisma, toda a desgraça do nazismo poderia ser evitada com um simples tratamento de canal. Um detalhe, que poderia fazer toda a diferença na história. E evitaria o suicídio do alemão.

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RUI RAIOL é pastor e escritor (www.ruiraiol.com.br)

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