O Instituto Moreira Salles (IMS) lançou paralelamente à exposição Marcel Gautherot – Norte, em cartaz nos centros culturais do IMS em 2009 e 2010, o livro homônimo, que você vê na imagem ao lado.
É uma coletânea de 72 fotografias de Gautherot, com texto de apresentação de Milton Hatoum e Samuel Titan Jr..
Quando chegou ao Brasil pela primeira vez, em 1939, o parisiense Marcel Gautherot (1910-1996) queria subir e fotografar todo o curso do rio Amazonas.
A viagem foi interrompida pela Segunda Guerra Mundial.
Durante os trinta anos seguintes, Gautherot voltou repetidamente à Amazônia e alçou voos numa aventura de sensibilidade.
O livro contém um texto, sob o título de “Mergulho na Amazônia”, assinado pelo fotógrafo paraense Luiz Braga.
Leia abaixo.
-------------------------------------------
O olhar elegante de Marcel Gautherot se comporta como uma agulha apontada para o norte do meu afeto: a Amazônia. Lugar sobre o qual centenas de forasteiros e nativos já se inebriaram de luz. Muitos deles, aliás, não ultrapassaram suas armadilhas, e aí estão os estereótipos visuais que não me deixam mentir.
Os que pacientemente se deixaram encantar viram suas imagens boiarem dos fundos dos rios e se transformarem em deusas. Eternas e fortes. Singelas e serenas.
A Amazônia exige mergulho. Impõe respeito, pois o que nela está contido não serve às fórmulas rápidas e fáceis.
O ritmo das águas, o horizonte linear, o verde fundo-infinito, sua vastidão e seu tempo de certa forma contrariam o caráter instantâneo atribuído à fotografia, especialmente aquela feita no tempo em que Gautherot aqui esteve.
É preciso ser humilde e atento. Captá-la através do seu universo imediato e mágico: uma canoa-mundo, um igapó-labirinto ou um trapiche-umbigo, por onde circulam as trocas que abastecem as cidades e os ribeirinhos.
O caboclo há que estar presente com seus gestos delicados de harmonia com a natureza. Ele é o outro que dialoga com o olhar do fotógrafo e tece a paisagem de Norte.
É esse ser moreno que ao empunhar o arpão se transforma em mais um herói anônimo, mas não menos belo que o Davi de Michelangelo.
Infelizmente a cronologia de nossas vidas não me permitiu conhecer Marcel Gautherot, que esteve na minha querida Belém e que nas páginas desse livro deixou uma série de imagens que eu queria muito ter tido a chance de pelo menos ter visto. Memória de um tempo de delicadeza. De roupas de linho branco sobre pele morena.
Do Ver-o-Peso e seus barcos, cujas velas ele transformou em um ninhal de borboletas de infinitos tons de cinza, restaram os caboclos e sua cultura ribeirinha em confronto com a metrópole antropofágica.
Em determinado momento, surge uma cena profética: Serra Pelada apontava para essa Amazônia que vivemos hoje, ferida pelos sucessivos golpes dos que tentam governá-la à distância, desprezando a sabedoria de seu povo.
A fotografia de Gautherot tem aquele caráter de recorte valorizador da realidade que Susan Sontag falava em seu famoso livro Ensaio sobre a fotografia, e isso explica o porquê da naturalidade com que o caboclo se deixa fotografar. Um narcisismo saudável. O tempo de olhar e ser olhado na Amazônia é sagrado.
Belém acolhe hoje uma das mais pulsantes fotografias contemporâneas, e é impressionante perceber que muitos dos caminhos desenhados em Norte até hoje são trilhados pelos fotógrafos que aqui vivem.
Um livro encantado para ser admirado e refletido nas águas serenas dessa Amazônia profunda que temos em nós.
-------------------------------------------
Para ver algumas fotos de Gautherot, clique aqui.
2 comentários:
Prezado Paulo: ótima notícia; vale divulgá-la no Twitter, assim meus amigos também tomarão conhecimento.
À vontade, professora.
E muito obrigado.
Abs.
Postar um comentário