terça-feira, 4 de agosto de 2009
Lições olvidadas
"Seja razoável: exija o impossível". O paradoxal slogan dos jovens franceses indica muito por que 1968 foi um momento histórico fascinante e ainda longe de ser inteiramente compreendido. Um ano tão perto que ao mesmo tempo parece tão distante dos dias atuais.
As lutas de então eram por mudanças. E o mundo mudou muito nestas quatro décadas. Na tecnologia, na política, nas idéias, nos costumes. O medo de uma guerra nuclear foi substituído pelo temor das catástrofes ecológicas e do terrorismo. Acabou a Guerra Fria, aumentou a integração global e tudo parece mais rápido. Certas coisas, porém, se alteraram: a pobreza no mundo, as relações desiguais entre os países, as ditaduras e as guerras. Na época, o Vietnã. Hoje, o Iraque.
Mas nada mudou tanto nestas décadas quanto o "espírito da época", essencial para entender 1968.
Um momento em que os jovens se arriscaram a sair às ruas e perceberam as possibilidades que a história oferece. A força e a importância daquele ano estão nisso.
Em termos imediatos, os movimentos de 1968 não venceram. Políticos conservadores foram eleitos ou confirmados no poder. De Gaulle na França e Nixon nos Estados Unidos. Os tanques soviéticos "normalizaram" a ditadura comunista na Tchecoslováquia, e no Brasil, há 45 anos, os militares tomaram o poder e golpearam as instituições democráticas.
Hoje, o Senado ofende o país, a Câmara dos deputados acumula escândalos, o Supremo toma uma decisão que, como foi cumprida, liberou criminosos da prisão, o Executivo usa a estrutura do governo para campanha política. O que o Brasil está fazendo com a democracia dolorosamente conquistada?
Não aprendemos as lições dolorosas do passado? Se a idéia é provar aos 83 milhões de brasileiros que nasceram após o último general deixar a presidência pela porta dos fundos do Palácio do Planalto, que a democracia é cara, ineficiente e fonte de corrupção, as nossas autoridades estão no caminho certo.
Mas o que vem acontecendo em declarações e atos nos últimos dias, os senadores levaram ao limite a paciência do contribuinte. Mas o País não sabia tudo isso. O Senado não existe para essa coleção de privilégios, irregularidades, safadezas e vergonhas aceitas como normais. Era para ser uma instituição madura, revisora das decisões da Câmara dos Deputados, representante em equilíbrio paritário, dos Estados da Federação.
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“O Senado ofende o país, a Câmara dos deputados acumula escândalos, o Supremo toma uma decisão que, como foi cumprida, liberou criminosos da prisão, o Executivo usa a estrutura do governo para campanha política.”
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O País já sabia que o Senado não funcionava de maneira didática. O país poderia até intuir nomeações de parentes, funcionários fantasmas, gastos excessivos, mas tudo isso que está vendo nos últimos dias. Uma agremiação esportiva com uma coleção de absurdos tão expressivos que pode levar os jovens brasileiros - os que não viram o peso do Congresso Nacional fechado - a se perguntarem: para que a instituição existe?
Se a pergunta for feita, o risco é de que as respostas sejam que o Senado existe para que a casta dos senadores - serão eles brâmanes? - possa usar como quiser e bem entender, o meu, o seu, o nosso dinheirinho, para que o ex-diretor Agaciel Maia tenha bens acima de suas posses e o que é uma tremenda sacanagem não os declarando, e que, em troca, permita a farra das contratações que levou a Casa a ter o exorbitante número de 10 mil funcionários, com direito a hora extra no descanso.
Há uma desconfortável sensação do que se passa na cabeça dos donos dos poderes republicanos. Será que não percebem o perigo que o país corre? Não de outro golpe militar, a história não se repetirá assim. O risco maior é de os jovens - os donos do futuro - acharem que a democracia não vale o que custa.
Por fim, 44% dos brasileiros nasceram depois do fim da ditadura militar. Mais de 100 milhões de brasileiros nasceram depois do fim do AI-5. Já são a maioria. Eles nada viram; podem notar as virtudes que nós, os mais velhos, valorizamos na democracia.
No mais, o rastilho de pólvora foi aceso no dia 1º de janeiro, no Vietnã. A ofensiva Tet acirrou o conflito da maior potência do planeta com um pequeno povo que insistia em resistir. O enfrentamento despertou paixões por todo o mundo e as manifestações contra a intervenção militar americana mobilizaram a juventude dos quatro cantos do planeta. A oposição à guerra se tornou o pretexto para um questionamento muito mais profundo dos valores da sociedade ocidental. Tanto nos países capitalistas quanto em repúblicas socialistas como a Tchecoslováquia, os jovens se levantaram contra as formas de autoritarismo, sonhando com um mundo onde a imaginação pudesse chegar ao poder. Longe de ser uma simples histeria coletiva juvenil, 1968 foi o ano em que os antigos dogmas desabaram sob o peso de uma explosão de vida que sacudiu as tradições e o poder. Será que essas lições foram esquecidas?
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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com
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Um comentário:
Só uma retificação: era "sejamos realistas..."
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