Depois do quebra-pau no Supremo Tribunal Federal (STF), há meio mundo que já aposta na possibilidade de que a Corte suspenda as transmissões ao vivo das sessões pela TV Justiça.
Se tal acontecer, será inadmissível, será inacreditável.
Suas Excelências, antes de decidirem sobre isso, devem lembrar-se da grande lição que nos deixou Stendhal (na foto), quando escreveu A Cartuxa de Parma.
Ilustrados e lustrados intelectualmente, é quase certo que todos os ministros do STF já devem ter lido essa obra seminal do escritor francês.
E se a leram, devem lembrar-se das aventuras de Fabrício del Dengo e de sua amada, Clélia, cujo senso de pudor era tão acendrado quanto sua hipocrisia.
E tanto é assim que ela, com pudores à flor da pele e à flor dos órgãos, estava certa de que pecaria menos contra sua consciência se traísse o marido encontrando-se com Fabrício num lugar escuro, em que ambos não se vissem.
Sua sensação – dela, a amada do personagem central do romance – é de que o adultério só ocorreria se cometido à luz do dia ou à luz dos candelabros, ou à luz das velas. Se fosse no escuro, numa situação em que ambos não se vissem, mas apenas se sentissem, a traição não seria tão, digamos, contundente.
Pois é.
Suspender as transmissões das sessões de julgamento do STF é idéia que parece estar inspirada nessa passagem do livro de Stendhal.
Suspendê-las é imaginar que será danosa à imagem do Supremo apenas se houver uma discussão àspera que for transmitida ao vivo, para todo o País. Pretende-se, com isso, conformar os prováveis e futuros barracos no Supremo aos limites estreitos do plenário da Corte, sem que o País inteiro possa acompanhá-los ao vivo e em cores.
Por essa concepção, bate-bocas transmitidos pela TV seriam com se a personagem de Stendhal traísse o marido às claras.
Do contrário, reduzir essa repercussão, vetando-se as transmissões ao vivo, seria como favorecer uma traição às escuras.
Céus!
Mas que bobagem.
Primeiro, que na eventualidade de suspenderem-se as transmissões das sessões pela TV, como precaução sobre possíveis incidentes como o de quarta-feira, de qualquer forma os confrontos verbais continuarão a ocorrer e serão divulgados amplamente.
Segundo, que o Judiciário do Brasil é um exemplo para todo o mundo ao utilizar a TV e outras mídias – como a internet – para mostrar publicamente como se processam seus julgamentos em órgãos colegiados, como é o caso dos tribunais. Por que acabar com isso? Por que acabar com uma prática que é boa referência para o próprio Judiciário?
E terceiro, como aqui já se sustentou, é preciso acabar com essa concepção de que exasperações entre magistrados são demeritórias para a imagem do Supremo ou de outros tribunais. Divergências e até confrontos como os ocorridos no STF são até proveitosos, porque desfazem a idéia de que magistrados são seres acima do bem e do mal. E desfazem a idéia de que vivem em ambientes onde deve reinar a perfeição.
Por que, então, o Supremo haverá de embarcar na hipocrisia, em vez de mostrar-se como verdadeiramente é?
Por que o Supremo haverá de reeditar a idéia de que o pecado no escuro é menos pecado do que o pecado cometido às claras?
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