Na ÉPOCA:
“A mentira é muita vez tão involuntária como a transpiração”, constata Bentinho, em Dom Casmurro, ao surpreender a si próprio escondendo da mãe o amor por Capitu. Como de costume, Machado de Assis retrata uma verdade: mentimos o tempo todo, até sem perceber. Mentimos sobre nossa altura, nosso peso, nossa idade. Mentimos para nós mesmos, para suportar um recalque. Mentimos para nossos pais, para tranquilizá-los, e para nossos filhos, para que não sofram. Mentimos para os amigos, para não lhes ferir a autoestima, e para o chefe, para justificar um atraso. Mentimos para o guarda, para não tomar uma multa, e para o Fisco, para pagar menos impostos. Atletas mentem para competir dopados, investigadores mentem para apanhar criminosos, políticos mentem... por vários motivos. Há mentiras inofensivas; outras mudam a vida de pessoas e até provocam guerras. O fascínio despertado pelo caso de Paula Oliveira, acusada de inventar um ataque neonazista na Suíça, se deve em parte a isso – à consciência do poder da mentira em nossa vida.
No dia 16 de janeiro, um grupo de amigos de Paula Oliveira recebeu um e-mail singelo, escrito em inglês mediano, que pode ser traduzido assim: “Então, eu queria ligar para todos, mas pelas razões abaixo vocês vão entender que eu preciso economizar cada centavo a partir de agora, então não seria possível... de qualquer forma, é bem difícil achar um jeito melhor de dar a notícia. Então aí vai. A foto fala por si. Vocês sabem contar? Para aqueles que não têm meu celular (seguia-se o número), acho que não vou estar aqui à tarde. Então podem me ligar ou mandar um SMS mais tarde ou no fim de semana para maiores esclarecimentos =) (o emoticon do sorriso na internet). E, sim, eu não poderia estar mais feliz!”.
Um mês depois, Paula Oliveira dificilmente poderia estar mais infeliz. Passou os últimos dias trancada com a família no apartamento onde mora, em Dübendorf, cidade de 20 mil habitantes do cantão de Zurique, no norte da Suíça. Desde a quarta-feira, é acusada de ter forjado uma agressão de neonazistas no dia 9. Três homens teriam talhado sua pele com um estilete e a feito abortar os gêmeos que estaria esperando. A polícia suíça a acusou de ter inventado tudo e de ter infligido a si mesma os ferimentos. Até a gravidez anunciada alegremente aos amigos na segunda quinzena de janeiro seria uma mentira.
O e-mail que ela enviou aos amigos despertou desconfiança em pelo menos uma delas, que disse a ÉPOCA ter visto Paula mentir em outras ocasiões. No pé da mensagem descrita acima, ela anexou uma pequena imagem em formato JPG, um dos mais comuns para fotos digitais. Batizado “Twins 6 wks”, o arquivo era a reprodução de um ultrassom de um útero prenhe de dois gêmeos. Uma busca na internet localizou rapidamente uma imagem idêntica, com o mesmo nome, no site about.com, ilustrando uma página sobre os diferentes estágios de uma gravidez gemelar. De posse da informação, ela trocou e-mails com outros conhecidos, comentando que não seria a primeira mentira inocente da amiga. Não imaginavam em que ela iria se transformar.
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