domingo, 13 de julho de 2008

Prendam o Pau-Preto. Deixem Daniel Dantas em liberdade.

Sábado e domingo permitem que agucemos as nossas atenções para perceber certas coisas que a correria do dia-a-dia não nos permite atentar.
Pois dias como ontem e hoje se prestam na medida não apenas para que possamos ler certas coisas, mas para que possam entendê-las. E entendê-las bem.
E servem também dias como sábado e domingo para que façamos algumas simulações, para que imaginemos certas situações.
Então, vamos imaginar e depois vamos ler.
Imagine aí você que a seu lado, ao lado de seu computador, está o juiz federal Fausto De Sanctis, da 6ª Vara Criminal de São Paulo, que mandou prender Daniel Dantas e a caterva toda que você já sabe qual é.
Imagine que ao lado, bem ao lado do juiz está o ministro-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes.
De Santis, sentado diante de você, tem ao lado dele calhamaços e calhamaços de informações. Isso é fruto de um trabalho de meses, de longas investigações acompanhadas e controladas atentamente por ele. Dentre o material que possui, estão sete mil páginas de transcrições de interceptações telefônicas. Tudo isso é indício de provas contra Dantas. Indício não é certeza, certo? Certo. Indício não é certeza de nada. Foi com base em tais indícios que o juiz decretou as prisões, primeiro a temporária, depois a preventiva.
Gilmar Mendes, sentado diante de você e ao lado de Santis, tem diante dele apenas algumas laudas de papel. São pedidos dos advogados de Dantas para que o banqueiro seja libertado. Outro jogo de laudas contém informações prestadas pelo juiz, justificando por que mandou prender a quadrilha. Até receber as informações, Mendes sabia sobre as investigações da Satiagraha tanto quanto um recém-nascido sabe sofre física quântica; ou seja, nada. Absolutamente nada.
Eis que Gilmar Mendes vai decidir sobre o pedido de relaxamento de prisão formulado pelos advogados Dantas. E decide libertar o banqueiro.
E como hoje é domingo e lhe sobra mais tempo para ler certas coisas, clique aqui e leia a íntegra da decisão do presidente do STF ao mandar libertar Dantas pela segunda vez. São 11 laudas. Se você não tiver disposição para enfrentar toda a leitura, atente para duas coisas:
Olhe aqui o que diz o ministro Gilmar Mendes:

Por mais que se tenha estendido ao buscar fundamentos para a ordem de recolhimento preventivo de Daniel Dantas, o magistrado não indicou elementos concretos e individualizados, aptos a demonstrar a necessidade da prisão cautelar, atendo-se, tão-somente, a alusões genéricas.

Então, vejam só.
O ministro diz, informa, constata, afirma que o juiz De Santis, aquele mesmo que está há meses inteirado, informado, instruído perfeitamente sobre as investigações, esmerou-se e apresentar fundamentos para justificar a preventiva. O nosso “esmerou-se” é o significativo que se extrai da expressão “tenha se estendido ao buscar fundamentos” utilizada pelo ministro Gilmar.
Mesmo assim, qual a conclusão do ministro? Que as informações e os fundamentos do juiz De Santis – aquele mesmo que sabe tudo, sabe todos os detalhes, detém todas as informações possíveis, está instruído sobre indícios fartos acerca de ilícitos cometidos por Danta et caterva – não passam de “alusões genéricas”.
Quer dizer: De Santis, que conhece tudo sobre as investigações, fez “alusões genéricas”. Mas Gilmar Mendes, que não sabe nada ou sabe muitíssimo pouco, permite-se dizer que o outro fez “alusões genéricas”. E diz isso com base em juízo formado com a leitura de apenas algumas laudas de papel.
Ah, sim. Você aí poderá alegar que indícios não podem dar margem à decretação de prisões. Podem, sim. Não qualquer indício, porém, e sim indício suficiente de autoria, fortes indícios de que alguém cometeu algum ilícito.

Agora, leia o segundo e último trecho da decisão de Gilmar Mendes. É bem curto.
O ministro refere-se à justificativa apresentada pelo juiz de que Dantas precisaria ficar preso preventivamente porque tentou, por meio de terceira pessoa, no caso Hugo Chicaroni, subornar um delegado. Diz o presidente do STF:

Frise-se que a única menção ao paciente no depoimento de Hugo Chicaroni se encontra no trecho abaixo:
“QUE o declarante informa ter conhecimento que o controlador do GRUPO OPPORTUNITY é DANIEL DANTAS e que HUMBERTO estava na condição, naquele momento, representando (sic)interesses (sic), do GRUPO OPPORTUNITY;”.
Evidentemente, essa menção não é suficiente a justificar a conclusão de que o paciente [Daniel Dantas] teria envolvimento direto no suposto delito.


Viram? Para o ministro Gilmar Mendes, Humberto Chicaroni poderia estar muito bem tentando subornar um delegado não em nome de Dantas, mas do Pau-Preto, o pior jogador do Íbis, o pior time do mundo. Poderia estar tentando subornar um delegado em nome de você, que está sentado aí diante do computador. De você, que não sabe nem que é Hugo Chicaroni; ou melhor, não o conhecia até agora.
Pronto. Você mesmo viu. É assim que funciona.
É por isso que Daniel Dantas está soltinho da silva. É por isso que Pau-Preto, o pior jogador, o mais anônimo dos atletas de toda a face da Terra, é por isso que o Pau-Preto, coitado, pode muito bem ser o interessado em subornar um delegado com US$ 1 milhão. E Daniel Dantas? Não, Daniel Dantas não. Só porque Daniel Dantas é dono do Grupo Opportunity? Não, definitivamente, não se pode achar que há indícios de que Dantas tentou subornar um delegado. Mas Pau-Preto, sim.
É assim que funciona.

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