A mais mortal.
A mais sangrenta.
A que apresentou alguns dos erros táticos e de estratégia mais colossais.
A que testou mais profundamente os limites humanos - os melhores e os piores.
A que mostrou os elementos naturais - como chuva e frio, um frio polar - como alguns dos mais decisivos fatores para o seu desfecho.
A mais decisiva.
E, apesar de tudo isso, uma das mais desconhecidas, porque nem vencidos, nem vencedores fizeram questão de divulgá-la, tal a dimensão das perdas humanas.
A Batalha de Moscou, o enfrentamento dos exércitos alemão e soviético, sob os manetes de dois dos maiores tiranos da história da humanidade, Hitler e Stalin, é assim mesmo: superlativa. E superlativa aos extremos.
A Batalha de Moscou, do jornalista americano Andrew Nagorski, que por três décadas foi correspondente da Newsweek, também pode ser considerada, a juízo deste repórter, uma obra superlativa.
O livro é um dos mais chocantes já escritos sobre uma das batalhas mais decisivas, senão a mais decisiva da Segunda Guerra, que se desenrolou de setembro de 1941 a abril de 1942.
Números apresentados pelo autor dizem por si mesmos.
Pelo menos 2,5 milhões morreram, foram feitos prisioneiros, desapareceram em ação ou se feriram com gravidade suficiente para exigir hospitalização.
A maioria dos prisioneiros de guerra russos, segundo Nagorski, foi efetivamente condenada à morte. Outros 938.500 soviéticos foram hospitalizados, totalizando em 1.896.500 as perdas soviéticas. O numero correspondente de soldados alemães chegou a 615 mil.
Conversas com dezenas de pessoas que testemunharam fatos ou que ouviram relatos de parentes e amigos que participaram da batalha, além de revelações contidas em documentos que foram preservadas durante décadas com o selo de sigilosos ou secretos, permitiram a exposição de cenas chocantes.
As tropas nazistas chegaram a cerca de 40 km da capital soviética, uma distância menor do que de Belém a Mosqueiro ou de Belém a Castanhal, por exemplo.
O grande erro de Hitler: esperou demais para mobilizar suas tropas em direção a Moscou. Atrasando-se, os nazistas depararam-se com os tormentos do descomunalmente desumano inverno russo, com temperaturas que caíram a -40º e com chuvas que faziam atolar os tanques das divisões Panzers, dificultando o avanço da infantaria.
O frio era tanto que se produziu uma trágica bizarrice: soldados alemães roubavam roupas íntimas de mulheres das aldeias soviéticas para se aquecerem. Lançavam mão até de sutiãs para proteger as orelhas e evitar que fossem ulceradas pelas baixíssimas temperaturas.
O erro maior de Stálin: por meses e meses, ignorou-se evidências, avisos, informações e sinais fortíssimos, levantados inclusive por seus serviços de inteligência, de que Hitler invadiria a União Soviética.
Quando a invasão se consumou, o Exército Vermelho entrou em parafuso: soldados não tinham sequer armas para atirar. Recrutas que foram chamados para reforçar as linhas de defesa mal sabiam atirar.
No dia 16 de outubro de outubro de 1941, Moscou entrou em pânico, com saques, greves, alvoroço e fugas. Moscou, à época com pouco mais de 4 milhões de habitantes, foi reduzida a cerca de 2 milhões.
A própria cúpula do poder soviético precisou sair às pressas de Moscou para abrigar-se temporariamente em Kuibyshev. Até o mausoléu de Lênin precisou ser removido às pressas, e em segredo, para Tyumen, uma pequena cidade a 1.600 qkm a leste da capital. Mas Stalin permaneceu em Moscou.
Moscou só não caiu em poder de Hitler - e, se caísse, provavelmente o nazismo teria dado mais de meio passo para a conquista do continente inteiro, à exceção da Grã-Bretanha, que àquela altura ainda lutava sozinha - porque, para sorte de Stalin, o Japão preferiu não acabar a Rússia, o que permitiu ao ditador deslocar tropas do extremo leste do país para reforçar as linhas de defesa da capital soviética.
Como demonstra Nagorski, os erros de Stalin foram tantos e de tal monta, implicando perdas materiais e de vidas humanos em dimensões tão inacreditáveis, que a Batalha de Moscou foi praticamente apagada pela ditadura comunista.
Num discurso que pronunciou em 24 de maio de 1945, logo depois do final da Segunda Guerra Mundial, o próprio Stalin admitiu: "Nosso governo cometeu muitos erros. Tivemos alguns momentos de desespero em 1941-1942, quando nosso exército estava em retirada, forçado a abandonar nossas aldeias e cidades [...], abandonando-as porque não havia outra saída. Outra nação poderia ter dito para seus governantes: vocês não atenderam às nossas expectativas, vão embora, vamos montar outro governo, que há de concluir a paz com os alemães e garantir para nós a tranquilidade".
Se é certo que a história é sempre contada pela ótica dos vencidos, desta vez a ditadura comunista preferiu não contar a história de uma vitória.
Talvez porque não considerou que, a rigor, saiu vitoriosa na Batalha de Moscou.
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