terça-feira, 18 de março de 2014

A árvore da verdade



Os que assistiram pelo canal Justiça com certeza ficaram angustiados e se sentiram desassistidos com a sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) quando o ministro Luiz Fux - relator dos recursos aos embargos infringentes da Ação Penal 470, que, de maneira brilhante, na sessão de 26 de fevereiro de 2014, votou a favor da manutenção das penas já impostas aos mensaleiros no julgamento de 2012 -  deu o único voto a favor da manutenção das penas. À época, o STF fixou as penas por formação de quadrilha acima de dois anos. Se a pena fosse inferior a esse patamar, os acusados não seriam punidos porque a pena já estaria prescrita. No final da sessão, o placar terminou em quatro votos a favor da absolvição: Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Carmen Lúcia.
Na esperança de que na sessão seguinte o placar seria pela manutenção das penas, voltei a assistir o julgamento da AP 470. Mas, para meu desconforto, vi o STF derrubar uma decisão tomada por ele mesmo em 2012 e absolveu oito réus do mensalão da acusação de formação de quadrilha. A vaidade que nos faz ouvir palavras bonitas e frases de efeito em nível cultural elevado também nos deixa decepcionados, cabisbaixos e vexados em presenciar ministros que votam comprometidos com quem os nomeou e já trazem o “voto pronto” pela absolvição. O presidente do STF, Joaquim Barbosa classificou a fala de Barroso como um “discurso puramente político” e que “sua decisão não é técnica”.
A decisão sólida, extremamente bem fundamentada, que foi tomada e os réus condenados, nos dava a certeza de que essa condenação seria mantida. Lembro como se fora hoje, o ministro Celso de Melo afirmar em plenário: “Essa quadrilha era uma empresa criminosa que agia com a sofisticada eficiência de um bando profissional”. O povo sabe que esses protagonistas de sórdidas ações criminosas não são atores políticos, são protagonistas de fato. Ninguém tem nenhuma dúvida que essa quadrilha buscou por meios ilícitos corromper e apropriar-se da coisa pública. O ministro Barbosa, bastante irritado com a decisão, disse que foi formada no STF uma “maioria de circunstância” e alertou o País para os perigos que ainda podem vir dessa “sanha reformadora”.
Para todo mundo ficou mais do que claro que o julgamento ocorrido em 2012 foi esquecido nessa sessão que resolveu absolver os acusados por formação de quadrilha. O ministro Barroso se pronunciou com todas as vênias de quem pensa diferente da maioria de 2012 e disse que houve uma exacerbação inconsistente das penas aplicadas pelo crime de quadrilha ou bando. Concluiu dizendo: “As penas fixadas correspondem a uma ou mais condenações por homicídio”. Esse resultado, ou melhor, essa reviravolta ocorreu porque, em 2012, dois ministros se aposentaram: Ayres Britto e Cezar Peluso. O primeiro votou pela condenação por formação de quadrilha e o segundo não se manifestou. Ano passado, Luís Roberto Barroso e Teori Zavaschi foram nomeados pela presidente Dilma Rousseff. Os dois votaram pela absolvição. Antes, o entendimento da Corte foi de que os envolvidos no mensalão formaram uma quadrilha comandada por José Dirceu para cometer crimes e comprar deputados. Agora, uma determinada mídia inflada resolveu afirmar que o presidente do STF construiu uma idéia de que um grupo se formara com o objetivo de praticar corrupção.
A verdade tem um custo pesado. Da verdade dos votos que garantiram a credibilidade no mensalão, mas foram votos vencidos para condenar os meliantes. Da verdade em que o Supremo foi apedrejado e está dividido pelos traumas do mensalão. Da verdade de que a população tem medo da insubordinação de magistrados aos textos das leis, sujeitos à mercê de dignas interpretações e de inquestionáveis tendenciosidades pessoais. Das profundas fissuras que ficaram na árvore da verdade. A árvore da verdade anda sumida dos jardins da Justiça. Um dia ela será trazida de volta. Mas essa é outra história.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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