segunda-feira, 26 de março de 2012

Os brutos também mamam?



Por PAULO SILBER, jornalista

Alguma coisa acontece no meu coração. É quase ódio, como diria o Paulo Bemerguy, meu Mano. O “quase”, aqui, é a gaveta do arrependimento diante do pecado. Como o Mano, eu sou cristão. O “ódio” é apenas uma permissão ao exagero, meu tempero. De qualquer forma, eu tô falando do que incomoda, e não só a mim. Do irritante trânsito em Belém. Dos intransigentes motoristas. Dos tresloucados recalcitrantes. Dos recalcados trafegantes. De alguns patetas em forma de gente.
É fértil o terreno do estresse no asfalto. Daria tábuas e tábuas de dez xingamentos. Mas quero apenas tratar de um personagem, uma só erva daninha. Meu calo. Eu vou chamá-lo assim: “O Abestado do Pisca-Alerta”.
Antes, um flashback.
Em 1993, Joel Schumacher, um diretor de cinema norte-americano que tem a cara do Gabeira misturada com a do Itamar Franco, com um olhar de Zilka Salaberry, fez uma obra-prima: Um Dia de Fúria. Eu já gostava dele, por causa de Os Garotos Perdidos. Jim Morrison emoldurado na caverna dos vampiros! Soooooh... O meu amigo J.Bosco ainda tem orgasmos quando revê a cena - escondido de Dona Vânia, é claro.
Mas não percamos o foco. Um Dia de Fúria revela o drama de um cidadão à beira de um ataque de nervos. O momento da explosão. A bomba-agá da intolerância no paradoxo deste mundo repleto de soluções com mania de problema. Schumacher cutuca as feridas da sociedade fast-foda-se. É um filme violento. Sem adornos, embora tolinho no final.
Anos depois, estudei o roteiro e, aí sim, o encantamento do princípio se rendeu à percepção. Tudo no filme, a trilha, os enquadramentos, a fotografia, o tríplice conflito, a opção pelo travelling, a escolha de Robert Duvall (a quem admiro) em contraponto ao Michael Douglas (de quem nem gosto), a opção por Los Angeles, a caricatura da leseira americana, tudo foi desenhado como uma espiral concêntrica, que conduzisse a trama ao suicídio. O drama do avesso. A realidade na veia aberta da ficção. O ralo.
Que me perdoe a Dedé Mesquita e me corrija mestra Luzia Álvares, porque não tenho o costume de escrever sobre filmes. Mas gosto muito desse. E lembro dele todo santo dia, ao levar a Camila Alves, minha filhota, e depois buscá-la na Faculdade. Sinto na pele, às 18h e por volta das 22h30, o encosto do William Foster, o cara vivido por Douglas, aquele que chuta o balde, enforca o pau da barraca e espanca a gota dágua ao se aborrecer nos percalços do trânsito de uma cidade civilizada, virando lobo, fera e monstro.
Não vou virar cavalo do cão. Mas não sou imune à vontade. Quem nunca desejou matar, estrangular, esquartejar, bicudar um motorista barbeiro ou boçal? Pensar não machuca.
Nesses horários de pico, em frente ao Cesupa da Alcindo Cacela, formam-se filas triplas. A Camila percebe minha irritação e recita o mantra: “Paaaaai! Calma, paaaaaai!” Graças a Deus, eu sou obediente à filha. Mas a vontade, a vontade mesmo, e aqui eu abro meu coração vulnerável ao ódio, a vontade é virar Michael Douglas em Dia de Fúria. Em slow-motion, para ser cruel, despedaçando otários, dilacerando playboys, triturando energúmenos, fatiando filhinhos de papai e papaizinhos amamãezados, os seres que compõem um autêntico Abestado do Pisca-Alerta.
Que murmurem! Não importa que murmurem que sou ranzinza ou implicante. Mas veja: o Abestado do Pisca-Alerta é a sílaba tônica da palermice, a flexão da rudeza, a boçalidade conjugada – o idiota em gênero, número e grau.
O que me assusta é que ele se reproduz com a volúpia dos insetos. Deixou de habitar apenas as portas de colégios e faculdades. Está em todo o canto, a praga, presença nojenta na rotina das cidades. É soberano, em Belém. E nos obriga à condição de súditos. Onde está Michael Douglas que não vê uma coisa dessas?
O pisca-alerta só deve ser utilizado em situações de emergência. Não estou inventando: está no Código de Trânsito, artigo 251, parágrafo 1º. É lei, que se permite até exceções – não abusos. A exceção (o pisca-alerta com veículos em movimento, por exemplo) não foi feita para humilhar a regra.
Mas tem uma moçada – os Abestados do Pisca-Alerta – cujo cérebro está no dedão do pé e a unha encravada na cabeça. Esses caras param no meio da rua, para jogar conversa fora, bocejar, comprar menta, mascar chiclete, fazer agá, seja na pacata Triunvirato ou na nervosa Conselheiro. Como se a rua fosse o quintal da casa deles, a garagem do raio que os parta, o esfíncter da mãe!
(Paaaaaai...)
É impressionante. O pisca-alerta, para os abestados, é o salvo-conduto da burrice, o passaporte da mediocridade, o carimbo da cretinice passada no cartório da insensatez. Pessoas nefastas. Por que não viram tábuas no mar?
Estacionar em fila dupla é uma grave infração de trânsito, com multa de 127 reais e perda de cinco pontos na carteira. Com pisca-alerta ligado, é infração ao quadrado. Meu Deus! Onde está Michael Douglas?! Schwarzzenegger! Idi Amim Dadá! Incrível Hulk! Saroquinha!
O Abestado do Pisca-Alerta, pretenso dono das ruas, estaciona onde quer, atrapalha quem bem entende, é um revival do antropocêntrico. A empingem do trânsito, roendo a paciência alheia. Não tem noção de cidadania. É estúpido, grosseiro, intransigente, leso, trouxa, canalha, babaca, pilantra, pacóvio, covarde, parvo, imbecil, pamonha. Filho da p...!
(Paaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaai!) 
Eu me pergunto qual é o problema desses brutos. Não foram amamentados? Roeram caroço de pupunha?
Devia haver, no bafômetro, um indicador do consumo de leite materno na infância. E seria proibida a carteira a quem não tenha mamado.
A Lei do Peito Livre!
Ou então, meus amigos, é melhor que se rasguem os códigos, não só o de trânsito. Imponha-se a barbárie. Elejamos Charles Bronson.
Ou Duciomar, tanto faz...

3 comentários:

Anônimo disse...

A atuação sem vergonha dos milhares de "abestados do pisca-alerta" em Belém prova que o poder público municipal inexiste, omite-se, enfim, sumiu das ruas.

O risco que corremos, se já não se concretizou, é o retornarmos à situação pré-contrato social de que tratou Thomas Hobbes no clássico De Cive. Ou seja, voltamos ao estado de todos contra todos numa sociedade sem lei, sem respeito e sem autoridade que organize a vida da cidade.

Em tal situação, para ocorrer a explosão dos ódios (como ressalta o jornalista Paulo Silber), não falta muito, não.

Anônimo disse...

Já li seu post e me revoltei igualmente. Agora, repasse a quem realmente interessa: POLÍTICOS E GESTORES

Anônimo disse...

Ótimo o artigo.

Ainda que a questão seja das mais graves no ordenamento(ordenamento???) de Belém, está muito engraçada a figura criada pelo jornalista , juntando Zilka Salaberry(quem a conheceu tem idéia melhor) com Gabeira e Itamar Franco.

No mais, espero que todos os motoristas sérios de Belém saiam com seus filhos ao lado, para evitar dias de fúria, e que os "agentes" da CTBEL também saiam de suas tocas e multem esses irresponsáveis, que só têm olhos para seus umbigos.

Chamá-los de antas seria uma afronta a esses simpáticos mamíferos do gênero Perissodactyla, que saem à noite para pastar e têm 3 dedos nos pés traseiros. O termo "imbecis" lhes cairia melhor.

Kenneth Fleming