sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Um dia de cada vez


O conselho é antigo, mas de difícil aplicabilidade. O mundo globalizado tem produzido uma demanda insuportável de stress para nossa geração. A ansiedade é considerada hoje a doença do século, atingindo mesmo as faixas mais jovens. Preocupação já não é coisa apenas de gente velha.
Quase sempre a ansiedade está relacionada ao fator tempo. Nasce do conflito entre o presente real e o futuro incerto. É gerada pela expectativa que nutrimos com o dia de amanhã, sobretudo quando este é imaginado como algo desconfortável. Os psicólogos falam em tempo cronológico e tempo emocional, para demonstrar que, embora vivendo o dia de hoje, muita gente sofre por antecipar uma realidade. Realidade que nem sempre o calendário confirmará.
Se você atentar direito, vai concluir que vivemos muito em função do instante seguinte. É assim desde que acordamos. Toalete, café da manhã, trabalho e almoço passam a ser vistos como ferramentas de uma jornada que aponta sempre para frente. Seguimos assim até a hora de dormir. Uma contínua preparação. Uma viagem que não conhece destino.
A internet é a alma desta geração ansiosa. Ninguém escapa. Aliás, a rede mundial de computadores conseguiu a proeza de fazer adoecer mais os jovens. São estes hoje quem mais sofrem com o frenesi da informação. Tudo é para ontem. Não dá para viverem desconectados das redes sociais, dos sites de relacionamentos, onde a interação acontece em tempo real, onde se conversa com todos e sobre tudo. De certa maneira, o homem atual tem algo de onipresente e onisciente: pode estar em muitos lugares ao mesmo tempo e ser informado de tudo onde seu corpo, ou melhor, onde seu receptor móvel esteja.
Porém, apesar de todo avanço cibernético, nosso organismo ainda mantém uma rotina de milênios: vive um período de vigília e outro de sono. Ainda está preso ao movimento de rotação da Terra, vivendo um ciclo que dura vinte e quatro horas. Nesse aspecto, nada difere do homem primitivo, o que é importante observar.
Experimente anotar tudo o que lhe cause ansiedade: contas a pagar, futuro dos filhos, construção da casa, saúde etc. Agora veja quantas dessas preocupações estão, de fato, localizadas no dia de hoje. Você descobrirá que grande parte do que nos faz adoecer se localiza no amanhã. Assim: a conta vencerá daqui a dois dias, os filhos ainda estão no ensino fundamental, a casa será concluída em alguns meses e a saúde depende do remédio iniciado hoje.
Ouvimos muito falar que o futuro não nos pertence. Mas insistimos em administrar o tempo que ainda não chegou. E sofremos por isso! Qual o remédio? A velha fórmula de vivermos um dia de cada vez.
Quando o Sol nasce, ele se encarrega de abrir nossa agenda diária. No decorrer das horas, vamos cuidando de tudo que se apresenta de importante. Mas precisamos permitir que esse mesmo Sol recolha das nossas mãos a lista de tarefas futuras. Não temos o direito de virar a página do dia seguinte. Nem de levar esse fardo para o leito. Agora, precisamos dormir. Esquecer. Apagar. De alguma maneira, cumprimos o nosso quinhão. Descansemos. Confiemos em Deus.
Enquanto isso, o Sol cuidará de outros tantos que dormiam enquanto a gente trabalhava. Eles também merecem viver. Porém na hora certa, o Sol voltará com a agenda aberta de novo. Será o nosso tempo mais uma vez! Assim viveremos, dia após dia. Porque, durante a nossa vida inteira, o dia se chamará hoje!

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RUI RAIOL é escritor (www.ruiraiol.com.br)

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