sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

O dever de vigilância do Estado


O País tem acompanhado a ação militar nos morros cariocas. Uma verdadeira operação de guerra está sendo montada contra narcotraficantes, com o objetivo de retirá-los de territórios ocupados há tempo. À primeira vista, um trabalho elogiável do governo. Na verdade, a confissão pública de uma falta grave do dever de vigilância que o Estado deve exercer sobre o bem-estar da sociedade.
Todos sabemos mesmo que os traficantes não chegaram ontem ao Rio. Não se estabeleceram de uma vez. Nem chegaram tão fortificados. A presença deles nessas regiões resulta de um processo histórico de ocupação. É resultado da permissividade do Estado, da tolerância ao crime, quando este se instalou no centro das favelas. Diferente da ação da polícia, os traficantes não chegaram fardados nem detonando explosivos. Mesmo assim, o mínimo de controle estatal haveria de detectá-los precocemente e evitar as cenas de guerra que macularam o Brasil.
O governo brasileiro é o senhor da remediação. Tenta, neste caso, reconquistar territórios que ele mesmo cedeu pela sua ineficiência Quando muito, age contra os efeitos dos males sociais. Efeitos que muitas vezes ele mesmo causou pela falha de seu dever de vigilância. E isto não é um achado exclusivo do setor de segurança. Pelo contrário, em muitas áreas o governo tem deixado de exercer o seu papel de sentinela. Então olhemos isso em nível generalizado, começando pelas pedras.
Vejamos o que sucede aos prédios públicos. O Brasil é uma máquina de reforma de repartições. Mas veja direito o que acontece. O Estado investe recursos vultosos na reforma e adequação de imóveis, mas não os conserva. Ao contrário disto, deixa que muitos se transformem em verdadeiras ruínas urbanas. E, quando alcançam esse estágio, então celebra contratos milionários para trazer seu patrimônio de volta à vida. Vive aí um verdadeiro ciclo de desperdício de verbas públicas, perfeitamente evitado caso houvesse vigilância orçamentária e financeira. Ou, na maioria dos casos, vigilância ostensiva mesmo.
Na saúde, não é diferente. Nosso povo se alimenta mal e gera muitas doenças. Caminhamos para um país de obesos. Além disso, a nação está morrendo pelo consumo de álcool e fumo. Cada esquina do Brasil virou um botequim. Cigarros contrabandeados, cheios substâncias de letais à saúde, chegam ao centro das cidades sem maiores problemas. O povo inala veneno sob o olhar complacente do governo. Consequência pessoal: dependência química, câncer de todo gênero, morte prematura etc. Resultado político: milhões gastos em remédios, hospitais, previdência social, e assim por diante. Falta de vigilância do Estado.
No caso específico do Rio, trata-se a questão das drogas como se fosse um problema meramente de ocupação de terras. Não é. As drogas são verdadeiras medusas infiltradas na sociedade. Há ramificações e troncos em muitos lugares. Elas não estão afetas à determinada classe social ou pedaço de chão. Germinaram aqui tanto quanto nos países notadamente produtores desse pesticida humano.
Olhando a partir do mapa do Brasil, o Estado tem relaxado seu dever de fiscalizar fronteiras transnacionais. Considerados os laboratórios estrangeiros, há uma rota internacional de migração do narcotráfico. Também, no aspecto doméstico, estradas vicinais em estados e municípios. O que faz o governo?
Depois, deve haver vigilância quanto ao consumo interno e à exportação do produto. Qual o poder dos traficantes se não houver consumidores?
Evitar que o inimigo pise o terreno ainda é a melhor defesa.

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RUI RAIOL é pastor e escritor (www.ruiraiol.com.br)

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