quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Refúgio x extradição: o caso Battisti


O pedido de extradição do italiano Cesare Battisti, ex-dirigente dos Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), grupo extremista que atuou na Itália nos anos 60 e 70, está na iminência de ser julgado pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). A polêmica acerca do caso se iniciou quando o ministro da Justiça concedeu refúgio político ao italiano, condenado à prisão perpétua (l'ergastolo) em seu país pelo homicídio de quatro pessoas, no final dos anos 70. A decisão causou desconforto nas relações diplomáticas entre Brasil e Itália.
A polêmica mencionada suscita interesse acerca dos institutos político-jurídicos do refúgio e da extradição.
No que concerne ao refúgio, considera-se refugiado todo aquele que, devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, encontre-se fora de seu país de nacionalidade ou onde antes teve sua residência habitual e não possa ou não queira a ele regressar, ou aquele que, devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país (art. 1º, da Lei nº 9.474/97)
Em tais casos, o estrangeiro pode pedir asilo ou refúgio ao Brasil, ou qual é processado perante o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), órgão colegiado do Ministério da Justiça. Uma vez concedido o refúgio, ele passa a ter os direitos e os deveres dos estrangeiros no Brasil, recebendo carteira de identidade, carteira de trabalho e documento de viagem.
Em relação à extradição, a Constituição Federal assegura que nenhum brasileiro nato será entregue pelo governo brasileiro a outra nação para que cumpra pena por crimes cometidos naquele território. Essa garantia, portanto, não abrange os estrangeiros que entram no Brasil depois de cometerem crimes em outros países, os quais podem ser extraditados a qualquer país onde tenham desrespeitado a lei, bastando, para tanto, que o Brasil tenha com a nação ofendida um tratado recíproco de extradição.
Ao Supremo Tribunal Federal cabe julgar os pedidos de extradição, que apresenta como condições para deferimento, em linhas genéricas: a exigência de que o ato cometido no país requerente seja considerado crime também no Brasil; o crime não estar prescrito; o extraditando não ter a nacionalidade brasileira e a condenação não ultrapassar o limite para pena máxima no Brasil, que é de 30 anos (artigos 77, 78 e 94 da Lei 6.815/80).
Se o Plenário do STF indeferir o pedido de extradição, o Executivo comunica a decisão ao país e o estrangeiro poderá ser solto e continuar no Brasil, salvo hipótese de deportação ou irregularidade quanto ao visto de permanência. Caso o plenário defira o pedido de extradição, essa decisão é imediatamente comunicada ao Ministério da Justiça, para que ele entregue o preso ao país requerente.
Postas as linhas gerais supra, vale observar que o STF já se deparou com situação assemelhada ao caso Battisti, no ano de 2007. Tratou-se do pedido de extradição de Francisco Antonio Cadena Colazzos, também conhecido como Camilo e padre Medina, um ex-integrante do grupo guerrilheiro Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Por nove votos a um, o STF manteve o refúgio.
Naquela ocasião, os ministros do Supremo reconheceram a aplicabilidade do disposto no artigo 33 da Lei do Refúgio. No julgamento mencionado, restou assentado que "o refúgio é um fato jurídico que não pode ser colocado em segundo plano por esta corte no julgamento da extradição, tendo em conta a previsão do artigo 33 da Lei 9.474/97. Não cabe ao Supremo perquirir o acerto ou o desacerto do ato do Executivo que haja implicado o reconhecimento de status de refugiado".
Com isso, ficou decidido que a concessão do refúgio político pelo Executivo obsta qualquer pedido de extradição em tramitação no Judiciário, superando antiga jurisprudência daquela Corte, anterior ao advento da Lei de Refúgio.

-----------------------------------------

ARTHUR PINHEIRO CHAVES é juiz federal substituto da 1ª Vara da Seção Judiciária do Pará

Nenhum comentário: