segunda-feira, 8 de março de 2010

O que Belém perdeu



Não perdemos a subsede da Copa do Mundo 2014 para Manaus. Perdemos para nós mesmos. Essa reflexão me veio novamente à tona ao ler em revista de circulação nacional que algumas capitais estão muito atrasadas quanto ao cronograma de obras viárias necessárias para sediar os jogos, principalmente em relação à reforma e construção dos estádios. E pensar que nesse item Belém levava grande vantagem em relação a quase todas as outras capitais, por possuir um dos mais modernos estádios do Brasil, o Mangueirão...
Faltou-nos, então, além de prestígio político, competência nas negociações que antecederam a escolha das subsedes. Como assim? Simples: ao invés de disputar com Manaus, deveríamos ter procurado a adesão dos irmãos amazonenses no pleito comum de duas sedes para a Amazônia, uma lá e outra em Belém. Com essa estratégia, teríamos talvez conseguido para Belém uma das quatro vagas do Nordeste, quem sabe a de Natal, que ainda luta com grandes dificuldades para construir um novo estádio, por falta de verbas. Não estou chorando pelo leite derramado. Até porque lancei essa sugestão, na época, aqui mesmo no blog do Espaço Aberto, ao comentar a passagem por Belém da caravana da FIFA para vistoriar o estádio do Mangueirão. Ao sobrevoar a cidade, a bordo de possante helicóptero, os homens da Fifa devem ter se alarmado com o trânsito pesado e parado no entorno do Entroncamento e do estádio. Portanto, perdemos a Copa para o nosso sistema de tráfego superado, caótico e neurótico, por falta de visão de gestores do passado, que foram deixando a cidade crescer desordenadamente, sem planejamento urbano e sem as intervenções necessárias em obras viárias indispensáveis para atender a esse crescimento. O projeto do PDTU-85, elaborado pelos japoneses da Jica, agora que está saindo do papel, 25 anos depois, com a realização de apenas uma de suas mais de 20 obras viárias, o elevado de quatro pétalas, na confluência da avenida Júlio César com avenida Pedro Álvares Cabral. Mas o principal gargalo do trânsito, no entorno do Entroncamento, por falta dos elevados por cima dos túneis inadequados, continua desafiando a paciência de motoristas e pedestres e a competência das autoridades encarregadas daquele Complexo do Caos.
Mas o que mais Belém está perdendo, ao ser excluída do eixo da Copa 2014, é a chance da modernização de seu sistema viário urbano, contaminado pela cultura do atraso, patrocinada pelos donos de ônibus, que também se julgam os donos da cidade, porque sempre ajudam a eleger o prefeito.
Todas as 12 cidades subsedes da Copa 2014 receberão verbas federais para solucionar, com prioridade, a crise do transporte coletivo, através da adoção de uma versão compacta do metrô de superfície, veículos leves sobre trilhos, os VLTs (na foto, escaneada da revista Veja), que são um misto de metrô e ônibus, estilo papa-filas, cujos modelos a diesel poluem 93% menos que os ônibus comuns e os elétricos nada poluem. Cada VLT transporta 270 passageiros, o que equivale a quatro ônibus comuns lotados. Eles emitem 75% menos ruídos que os automóveis e consomem apenas 10% da energia ou combustível gastos por um ônibus comum.
Onde são fabricados? Logo, ali, no sertão do Cariri, por uma empresa cearense danada de eficiente, a Bom Sinal. O sucesso do VLT cearense é tão grande que a empresa já está atendendo a encomendas de 50 prefeituras de capitais e cidades do interior, que desejam pegar carona na modernidade. Prefeitos de cidades muito menores que Belém estão indo em caravana a Fortaleza para conhecer o metrô do cariri, uma solução infinitamente mais econômica que o modelo convencional, que anda por baixo da terra, porque dispensa desapropriações e as escavações demoradas e caras. O "arretado" trem cearense está promovendo uma nova revolução nos transportes urbanos do Brasil.
Enquanto isso, em Belém, os donos de ônibus não querem mudar nada e a prefeitura também não tem apetite nem autoridade para promover qualquer mudança em nosso falido sistema de tráfego urbano. Continuamos convivendo com o atraso dos sinais de quatro tempos e das "tartarugas do asfalto" como balizadores do trânsito congestionado, além da zorra promovida pelos alternativos nas paradas de ônibus, pegando passageiros no meio da rua e com os gritos alucinantes de seus verdadeiros profetas do caos. Até quando, senhores ou senhoras do destino de nossa bela e maltratada cidade?

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FRANCISCO SIDOU é jornalista
chicosidou@bol.com.br

4 comentários:

Tanto disse...

Me senti triste lendo este texto, igual me sinto triste ao ver fotos de Belém antiga - é confrontar o que Belém podia ser, e o que se tornou.

Anônimo disse...

Sidou, é certo que as autoridades negligenciaram a organização do trânsito, que se tornou absolutamente caótico e sem perspectivas sérias de melhoria. Não sei se por conta disso ou por razões culturais, deve ser aduzido que nossos condutores, ou seja, os condutores de Belém são rudes, bárbaros e violentos. O trânsito de Belém é uma reedição da situação pré-contratual hobbesiana, ou seja, estão todos contra todos. Uma bárbarie, agravada pela omissão do poder público.

Anônimo disse...

Comentário muito bom.
Ressalto que enquanto os políticos de Manaus se uniram por sua cidade no Pará, como sempre, cada só vislumbra seu interesse. Resultado? Belém perde.
Nos transportes, NENHUM governo foi capaz de sequer acender a luz do tunel na caótica Belém, que, além de motoristas extremamente mau educados, ainda enfrenta o descaso e egosísmo social que seus administradores impõem à cidade. Só pensando em suas reeleeições. Quem perde? Belém, como SEMPRE.

Edson Sidou disse...

Olá ilustre Sidou. Gostei da reportagem, só não posso comentar quanto ao merito,pq vc sabe onde moro, né? Mas gostaria de ler sempre esses seus textos. ok? um abração do mano amigo
Edson