Como você reagiria se visse alguém abraçando e
externando o calor da mais terna solidariedade humana a uma pessoa que matou seu
filho com requintes de crueldade, covardia, selvageria, hediondez e atrocidade
inomináveis?
Você aí, como é que encara certas questões, como
a da violência, por exemplo? Você é daqueles bem seletivos?
Você acha, por exemplo, que um
assassino estuprador de criança só poderá ser considerado selvagem, cruel, bruto após avaliadas, sopesadas certas condições – como a cor do criminoso, sua raça, sua
religião, seu gênero, suas empatias ideológicas, suas simpatias clubísticas ou
coisas assim?
Vamos concretizar mais ainda: se você tem à sua
frente uma pessoa que estuprou uma criança, você acha que esse crime poderá ser
minimizado ou encarado como a quintessência da brutalidade humana dependendo de
o assassino ser branco, negro, amarelo, roxo, homossexual, heterossexual,
esquerdista, direitista, bolsonarista ou lulista?
Eu assisto muito pouco à TV aberta. Muito pouco.
E dentre os programas a que assisto, o “Fantástico” está entre os pouquíssimos
dentre os poucos.
Tomei conhecimento apenas na última
segunda-feira (09) sobre a cena em que o médico Drauzio Varella – cujo
trabalho, aliás, aprecio bastante e de quem já li, acho, uns dois livros –
empresta o terno calor de sua solidariedade, dando um abraço comovente em presidiária
transexual que não recebia uma visita há cerca de oito anos na penitenciária
onde cumpre pena, em Guarulhos (SP).
Confesso: ao ver a cena, eu mesmo me comovi. E
me comovi não porque Drauzio Varella externou um edificante gesto de
solidariedade a um transexual, mas a um ser humano.
Na mesma segunda-feira, tomei conhecimento de
que a pessoa destinatária dos afagos do médico é Suzy Oliveira, transexual condenado
por estuprar e matar uma criança de apenas nove anos de idade. Segundo o
processo, Suzy praticou “atos libidinosos consistentes em sexo oral e sexo anal”
com o menor.
Faço outra confissão: depois disso, senti-me, eu
próprio, meio selvagem, meio monstro, meio brutal, meio indigno ao associar
meus sentimentos de solidariedade a supostas carências afetivas experimentadas
por um assassino torpe.
E por que senti-me assim?
Porque imaginei a crueldade, a brutalidade, a
atrocidade, a hediondez que terá sido, para os pais da criança assassinada e demais parentes e amigos, ver
o assassino recebendo manifestação de brandura, desvelo e compreensão extremas
de um profissional da Medicina dos mais respeitados, com imagens sendo
exibidas, nacionalmente, por um dos programas de maior audiência da emissora de
maior audiência do País.
Pra mim, meus caros, tanto faz se é branco, negro,
amarelo, roxo, baixo, alto, bolsonarista, lulista, homossexual, heterossexual,
corintiano, palmeirense ou torcedor do Íbis, que, dizem, é pior time do mundo.
Pra mim, tanto faz: monstro é monstro, selvagem
é selvagem. E ponto.
Drauzio Varella, como sabem, já divulgou uma
nota.
Na nota, ele diz o seguinte:
“Há
mais de 30 anos, frequento presídios, onde trato da saúde de detentos e
detentas. Em todos os lugares em que pratico a Medicina, seja no meu
consultório ou nas penitenciárias, não pergunto sobre o que meus pacientes
possam ter feito de errado. Sigo essa conduta para que meu julgamento pessoal
não me impeça de cumprir o juramento que fiz ao me tornar médico. No meu
trabalho na televisão, sigo os mesmos princípios. No caso da reportagem
veiculada pelo Fantástico na semana passada (1/3), não perguntei nada a
respeito dos delitos cometidos pelas entrevistadas. Sou médico, não juiz.”
Perfeito.
Mas uma coisa é o trabalho profissional que o
dr. Drauzio desenvolve no seu consultório, longe dos holofotes. Outra coisa é o
trabalho diante dos holofotes.
Porque há trabalhos e trabalhos, né, doutor
Drauzio?
Se um médico, qualquer médico, vai a um presídio
para desenvolver um trabalho essencialmente de assistência médica, é evidente
que não precisa saber a quem atende. Porque os princípios de sua profissão e os
juramentos em que ela se estriba exigem que um médico atenda qualquer pessoa,
inclusive as que cometeram crimes monstruosos.
Isso é uma situação.
Outra situação, completamente diversa, ocorre
quando estamos num programa de televisão gravado e o médico que ali está,
desenvolvendo um misto de trabalho jornalístico e de assistência médica, transmite
sua ternura e compreensão a um monstro – que pode ser branco, negro, amarelo,
roxo, heterossexual, homossexual... Qualquer um, enfim!
Recomenda-se ao doutor Drauzio Varella que,
depois dessa ocorrência, ele procure saber um pouco, pelo menos um pouco, sobre
o que fizeram seus entrevistados – estou dizendo seus entrevistados, e não os pacientes que ele atende reservadamente no
seu consultório -, se achar que, ao final da entrevista, não resistirá à
tentação de afagá-los com um abraço de compaixão.
Porque, se não tiver essa cautela, qualquer dia
desses poderemos ver o doutor Drauzio Varella, compadecido à beira das lágrimas,
abraçando Roger Abdelmassih.
Vocês o conhecem?
Roger Abdelmassih, aquele ex-médico que foi condenado
a 278 anos de prisão por 52 estupros e quatro tentativas de estupro a 39
mulheres.
Roger Abdelmassih aquele ex-médico - branco,
heterossexual, rico. E monstro.
Um monstro igualzinho à transexual Suzy Oliveira.
Ou
vocês acham que um é menos monstro que o outro?
2 comentários:
Quando se esta a serviço da Globolixo vale tudo. Uma vergonha esta comédia deste Médico Reporter.
PENSO QUE ESTE COMENTÁRIO EXPLICA TUDO SOBRE AMBOS.
O MÉDICO E O MONSTRO
O problema não é Dráuzio Varella abraçar um pedófilo estuprador assassino. Por mim, ele pode até casar com o Suzy. O problema é a difusão dessa narrativa onde criminosos cruéis aparecem como "vítimas de uma sociedade injusta".
Não! Não me oponho que eles sejam alvo de solidariedade. Acho que merecem sim alguma compaixão, mas é preciso ter senso de proporções: as vítimas deles são quase sempre esquecidas, injustiçadas. Os inocentes estão cada vez mais desprotegidos.
A desculpa de que Dráuzio é médico, não cola. A reportagem não era sobre medicina. Era sobre o preconceito e a solidão desse grupo de detentos. A informação dos crimes não entrou porque prejudicaria a intenção de gerar empatia do público com os criminosos.
A parte mais complexa disso é a linguagem. "Mulher trans" não é mulher. No entanto, a polêmica é para a mídia progressista uma oportunidade de cunhar esse e outros termos. Se aceitarmos discutir nos termos estabelecidos pela esquerda, não adianta vencer a discussão, pois a guerra será perdida.
Herbert Passos Neto
Jornalista. Analista e ativista político.
Postar um comentário