Na
verdade, o assassinato de Boris Nemtsov (na foto), em fevereiro de 2015, em meio à crise
da Ucrânia, embaraça Vladimir Putin no país e no exterior. Foi o décimo
adversário do cossaco, entre empresários, jornalistas, espiões, políticos e
advogados, a ser assassinados por desconhecidos ou encontrado morto em
circunstâncias suspeitas desde 2003. É difícil não responsabilizá-lo por alguns
desses casos e a suspeita é compreensível, principalmente por parte dos
parentes e admiradores de Nemtsov, aos olhos dos quais ele era o maior
antagonista do regime. Ele mesmo declarara em entrevista a um jornal russo,
semanas antes, seu receio de ser morto por ordens do Kremlin.
Em 27 de fevereiro, Nemtsov caminhou pela última vez com
a namorada na Praça Vermelha, um dos símbolos máximos do poder na Rússia. Às
23h30, na Ponte Bolshoi Kamenni, sobre o Rio Moscou, a alguns metros do Kremlin
e próximo à Catedral de São Basílio, um homem surgiu atrás deles e disparou
seis vezes. Quatro balas o atingiram e morreu na hora. A imagem do corpo de
Nemtsov estendido a poucos metros do edifício do poderrusso era forte o
suficiente para percorrer o mundo e suscitar uma série de perguntas. O
presidente Putin teria ligação com o crime? A escolha do lugar para a execução
– na vizinhança da sede do governo – foi uma provocação? Quem faz oposição na
Rússia está marcado para morrer? Pelo menos outros três adversários do governo
Putin morreram em circunstâncias nebulosas. Os casos jamais foram esclarecidos.
O opositor Nemtsov foi a mais notória vítima de um
discurso de ódio que inflama a Rússia e é alimentado pelo presidente do país, o
aprendiz de Joseph Stalin, o autocrata Putin. Desde seu retorno ao Kremlin como
presidente, em 2012, o jeito de ser do cossaco adotou um discurso de
satanização de seus opositores. Ressuscitou o léxico dos expurgos stalinistas
dos anos 1930. “Quinta Coluna”, “traidores da nação” e “aliados do Ocidente”
são os epítetos de Putin dirigidos à oposição. No fim de fevereiro, grupos de
ultranacionalistas marcharam pelas ruas de Moscou com cartazes em sua defesa.
Até hoje não se sabe quem disparou o gatilho, e talvez nunca se saiba ao certo,
mas não há dúvida de que Putin carregou a arma.
O assassinato de opositores não é novidade na era Putin.
A lista é longa. Em outubro de 2006, a jornalista Anna Politkovskaya, escreveu
dois livros sobre os malfeitos do presidente russo. Foi morta a tiros no
elevador do prédio onde morava. Os mandantes do crime não foram descobertos.
Alexander Litvinenko, ex-agentedo serviço secreto russo foi envenenado por
polônio, um composto radioativo, em 2010. Ele chegou a declarar que Putin
planejou sua morte, mas as investigações jamais foram concluídas. Boris
Berezovsky, um dos homens mais ricos da Rússia, ajudou a eleger Putin, mas se
tornou um crítico do governo. Chegou a ter os bens confiscados e se refugiou em
Londres. Em 2013, foi encontrado morto, com sinais de enforcamento.
Nemtsov era o rosto da oposição mais abertamente
pró-ocidental. Entretanto, dificilmente poderia ter sido considerado uma ameaça
ao status quo. Foi vice-premier
durante o auge das privatizações e na catastrófica crise cambial russa de
agosto de 1998, após a qual Boris Yeltsin o ejetou do governo juntamente com a
maioria dos reformadores neoliberais e formou um governo mais pragmático que
abriu caminho ao nacionalismo autoritário de Putin.
Putin terá dias difíceis pela frente. Reprimir vozes que
se rebelam contra o governo se tornou corriqueiro na Rússia, relembrando os
velhos tempos de Stálin. No dia do assassinato de Nemtsov, outro oponente,
Alexei Navalny, blogueiro e líder do Partido Progressista, foi condenado a 15
dias de prisão por violar leis que proíbem manifestações. Não foi a única
prisão por motivos fúteis e nem será a última. O cossaco vive seu momento mais
delicado. A crise da Ucrânia e o desgaste nas relações com os Estados Unidos.
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SERGIO BARRA é médico e professor
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