segunda-feira, 4 de maio de 2015

Um czar e muitos cadáveres


Na verdade, o assassinato de Boris Nemtsov (na foto), em fevereiro de 2015, em meio à crise da Ucrânia, embaraça Vladimir Putin no país e no exterior. Foi o décimo adversário do cossaco, entre empresários, jornalistas, espiões, políticos e advogados, a ser assassinados por desconhecidos ou encontrado morto em circunstâncias suspeitas desde 2003. É difícil não responsabilizá-lo por alguns desses casos e a suspeita é compreensível, principalmente por parte dos parentes e admiradores de Nemtsov, aos olhos dos quais ele era o maior antagonista do regime. Ele mesmo declarara em entrevista a um jornal russo, semanas antes, seu receio de ser morto por ordens do Kremlin.
Em 27 de fevereiro, Nemtsov caminhou pela última vez com a namorada na Praça Vermelha, um dos símbolos máximos do poder na Rússia. Às 23h30, na Ponte Bolshoi Kamenni, sobre o Rio Moscou, a alguns metros do Kremlin e próximo à Catedral de São Basílio, um homem surgiu atrás deles e disparou seis vezes. Quatro balas o atingiram e morreu na hora. A imagem do corpo de Nemtsov estendido a poucos metros do edifício do poderrusso era forte o suficiente para percorrer o mundo e suscitar uma série de perguntas. O presidente Putin teria ligação com o crime? A escolha do lugar para a execução – na vizinhança da sede do governo – foi uma provocação? Quem faz oposição na Rússia está marcado para morrer? Pelo menos outros três adversários do governo Putin morreram em circunstâncias nebulosas. Os casos jamais foram esclarecidos.
O opositor Nemtsov foi a mais notória vítima de um discurso de ódio que inflama a Rússia e é alimentado pelo presidente do país, o aprendiz de Joseph Stalin, o autocrata Putin. Desde seu retorno ao Kremlin como presidente, em 2012, o jeito de ser do cossaco adotou um discurso de satanização de seus opositores. Ressuscitou o léxico dos expurgos stalinistas dos anos 1930. “Quinta Coluna”, “traidores da nação” e “aliados do Ocidente” são os epítetos de Putin dirigidos à oposição. No fim de fevereiro, grupos de ultranacionalistas marcharam pelas ruas de Moscou com cartazes em sua defesa. Até hoje não se sabe quem disparou o gatilho, e talvez nunca se saiba ao certo, mas não há dúvida de que Putin carregou a arma.
O assassinato de opositores não é novidade na era Putin. A lista é longa. Em outubro de 2006, a jornalista Anna Politkovskaya, escreveu dois livros sobre os malfeitos do presidente russo. Foi morta a tiros no elevador do prédio onde morava. Os mandantes do crime não foram descobertos. Alexander Litvinenko, ex-agentedo serviço secreto russo foi envenenado por polônio, um composto radioativo, em 2010. Ele chegou a declarar que Putin planejou sua morte, mas as investigações jamais foram concluídas. Boris Berezovsky, um dos homens mais ricos da Rússia, ajudou a eleger Putin, mas se tornou um crítico do governo. Chegou a ter os bens confiscados e se refugiou em Londres. Em 2013, foi encontrado morto, com sinais de enforcamento.
Nemtsov era o rosto da oposição mais abertamente pró-ocidental. Entretanto, dificilmente poderia ter sido considerado uma ameaça ao status quo. Foi vice-premier durante o auge das privatizações e na catastrófica crise cambial russa de agosto de 1998, após a qual Boris Yeltsin o ejetou do governo juntamente com a maioria dos reformadores neoliberais e formou um governo mais pragmático que abriu caminho ao nacionalismo autoritário de Putin.
Putin terá dias difíceis pela frente. Reprimir vozes que se rebelam contra o governo se tornou corriqueiro na Rússia, relembrando os velhos tempos de Stálin. No dia do assassinato de Nemtsov, outro oponente, Alexei Navalny, blogueiro e líder do Partido Progressista, foi condenado a 15 dias de prisão por violar leis que proíbem manifestações. Não foi a única prisão por motivos fúteis e nem será a última. O cossaco vive seu momento mais delicado. A crise da Ucrânia e o desgaste nas relações com os Estados Unidos.

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SERGIO BARRA é médico e professor

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