OVietnã é uma imagem de dois mundos. Um mundo de contrastes e contradições. Um país que tem muito a nos ensinar. O caminho para chegar lá foi longo e muito sofrido, o trauma de inúmeras guerras ajudou o país a se reerguer. O Vietnã é o único país periférico na história a derrotar três dos seis membros do atual Conselho de Segurança da ONU: China, França e Estados Unidos. Foram nada menos que 1.000 anos de dominação chinesa no primeiro milênio. Em 1847, a Marinha francesa atacou o Porto de Danang, iniciando quase um século de ocupação da chamada “União da Indochina” - Vietnã, Laos e Camboja. Em 1940, os alemães ocuparam a França, mudando a correlação de forças da Segunda Guerra Mundial.
Mas o Japão, que fazia parte do Eixo - juntamente com Alemanha e Itália -, só queria um motivo, em meados de 1941 os japoneses invadiram o Vietnã. Terminada a guerra, em agosto de 1945, o comunista Ho Chi Minh liderou um levante contra os colonizadores e fundou a República Democrática do Vietnã, mas os franceses insistiram em manter seu poder colonial na região. A Guerra da Indochina contra a França durou quase uma década, terminando em 1954 com a divisão do Vietnã em dois países: o Vietnã do Norte, comunista, dirigido por Ho Chi Minh e apoiado pela China, e o Vietnã do Sul, anticomunista, apoiado pelos EUA. Em 1965, os primeiros soldados americanos desembarcaram no mesmo Porto de Danang. Nos anos seguintes, os EUA despejaram sobre o país o dobro da quantidade de bombas jogadas na Segunda Guerra Mundial. Uma Guerra que custou muito caro aos EUA.
Há 40 anos, em 30 de abril de 1975, tropas comunistas vindas do norte do Vietnã invadiram a cidade de Saigon, a capital do sul do país, e colocaram um fim oficial ao pior conflito da segunda metade do século XX. A guerra do Vietnã deixou mais de 2 milhões de vítimas e até hoje assombra o ego militar dos americanos. Refletir sobre esse país, quando se comemoram os 40 anos do fim do conflito que, nos anos 1960 e 1970, colocou parte do país contra os EUA. Sua exposição nos telejornais e em dezenas de filmes feitos no período, esse conflito tornou-se uma espécie de emblema da Guerra Fria.
Essa guerra opôs, em batalhas sangrentas, EUA (aliados do Vietnã do Sul) e União Soviética (que apoiava o Vietnã do Norte), comunismo e capitalismo, esquerda e direita. Quarenta anos se passaram e os vietnamitas - mesmo curtindo iconografia socialista - cultuam valores que parecem americanos, preferem falar o inglês ao francês de seus primeiros colonizadores e até se aliam aos EUA para enfrentar um vizinho poderoso e frequentemente indesejado, a China comunista. O que mudou? Eles superaram a Guerra Fria. O pragmatismo prevaleceu sobre a miopia ideológica.
Quatro décadas depois, Saigon já não é mais Saigon. Desde 1976, a metrópole se chama Cidade de Ho Chi Minh, uma homenagem ao ex-líder comunista do Vietnã que conseguiu o feito de derrotar os americanos e instaurar o comunismo no país. Se estivesse vivo, o homenageado talvez não se orgulhasse tanto da deferência. A sede do Partido Comunista na cidade fica em frente ao segundo maior shopping center do país. A cidade se tornou o símbolo da abertura para o capitalismo e para o livre mercado.
A Cidade de Ho Chi Minh está tomada por arranha-céus, lojas de grife e carros de luxo. A ex-Saigon é a capital financeira do Vietnã, uma das 100 cidades mais caras do mundo. É a representação da mudança extraordinária pela qual passou o Vietnã. O sucesso do país é de fazer inveja aos outros emergentes. O Banco Mundial não se cansa de usar o país como exemplo e o considera uma espécie de garoto-propaganda dos efeitos salutares da economia liberal.
No Brasil a democracia está cada vez mais madura. Não devemos correr tais riscos. Combater moinhos de ventos, como quixotes delirantes, desvia o foco dos verdadeiros debates - no Congresso e na sociedade, que definirão o país que queremos.
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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com
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