No Reino Unido, na iminência das eleições legislativas, estava em xeque a mais antiga tradição dos governos estáveis. A outrora estável monarquia constitucional e parlamentar britânica parecia ir mal. A crise, não somente política, ficou transparente diante de espinhosos temas e divisões na sociedade, a raiar durante a campanha para as legislativas que se realizaram em 7 de maio de 2015. Mais interessante ainda é que as eleições no Reino dividido costumam ser tão emocionantes quanto a troca da guarda da Rainha. Mas desta vez a monotonia deu lugar a um dos pleitos mais agitados dos últimos anos.
De saída, as pesquisas de intenção de voto não previam um partido com maioria absoluta, ou 326 cadeiras na Câmara dos Comuns. Trocando em miúdos, seria o fim do bipartidarismo entre conservadores e trabalhistas. Se nos anos 1950, as duas legendas recolhiam soviéticos resultados de até 97% dos votos, desta feita levariam, juntas, apenas 67%. Além de Cameron e Miliband, outros cinco candidatos disputaram as eleições, mas sem chances de assumir o governo. Conservadores e trabalhistas alternam o poder desde 1922.
A diferença é que, agora, novas correntes vêm fazendo algum barulho. A principal delas é liderada pela escocesa Nicola Sturgeon do esquerdista Partido Nacionalista Escocês (SNP, em inglês). Nicola é considerada a mulher mais temida do Reino Unido. É também chamada de “mulher mais perigosa” pelo “Daily Mail”. Nicola liderou a campanha, em 2014, pela separação da Escócia do Reino Unido. Não foi bem sucedida por um triz no plebiscito que discutiu a questão. E ela não escondia sua intenção de criar elos com Miliband.
Outros percalços têm impacto no próprio reinado de Elizabeth II, a ameaça dos outros grupos separatistas além do escocês, e aqueles da Irlanda do Norte e do Principado de Gales. A emergência daquelas siglas demonstra um quadro jamais visto no sistema bipartidário. Qual o motivo? O Reino Unido não é mais aquele país onde a distinção nítida entre as classes sociais se manteve até ontem. Fronteiras claras entre aristocracia, classes média e operária. Se ainda há quem sinta nostalgia do passado, como aquele que se manifesta contra a imigração, outros estão fartos de fazer parte de um sistema em que predomina a desigualdade.
A ascensão social, de fato, começa nas escolas primárias privadas, caríssimas. Ali aprende-se a falar o inglês dos aristocratas. A desigualdade talvez explique Cameron não ter explorado, durante a campanha, o fato de ter governado um dos países com a economia menos fragilizada pela crise de 2008 na Europa. A nítida separação entre classes sociais, típica do Reino, começa ficar abalada.
O vitorioso governo conservador de Cameron relançou o crescimento, reduziu o déficit público, manteve o nível de desemprego em patamares aceitáveis, enquanto a Bolsa de valores vai de vento em popa. No entanto, as elites econômicas ainda levaram a maior fatia do bolo e o cidadão comum não ganhou melhor nível de vida. Mas quem mora ou conhece bem o Reino Unido, sabe que existe uma diferença evidente em termos de riqueza entre Londres e o resto do país, chamado de Pequena Inglaterra. Ah! Poucos foram às urnas. Ademais, para muitos britânicos, política não é assunto que mereça tanta atenção.
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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com
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