terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Braço de ferro no Cairo


O povo egípcio volta a preocupar o mundo em mais um drama doméstico. Recentemente, o país se encheu de esperança, na chamada Primavera Árabe, quando os egípcios se rebelaram e conseguiram a custa de muito sangue, enfrentar a brutalidade da polícia, das forças armadas e derrubar a ditadura do tirano Hosni Mubarak. O Egito foi muito afetado pela vivência de passadas revoluções, que permanecem surpreendentemente atuais, e são. O período hoje é diferente. A terra dos faraós passa por um processo de conspiração às avessas, ou seja, aqueles que assumiram o país com o aval do povo, fazem de um tudo para que volte a ficar como estava.
Hoje, as coisas já não são vistas de modo tão simples. A alegria manifestada na Praça Tahrir parece ter afetado os humores do povo. A labilidade da população alterna momentos de euforia e de tristeza. Domingo, 25, um jovem islamita foi assassinado perante um escritório da Irmandade Muçulmana em Damanhur, no delta do Nilo, e dezenas de pessoas ficaram feridas em meio a turbulência e protestos contra as novas ampliações dos poderes ditatoriais que se atribuiu o novo presidente do Egito, Mohamed Mursi. Há uma verdadeira queda de braço no Cairo no confronto com defensores de Mursi.
O presidente fortalecido pelo sucesso da mediação em Gaza e aparente respaldo pelos Estados Unidos, anunciou um “ato institucional”. Destituiu o procurador-geral da época de Mubarak e ordenou novo julgamento dos funcionários absolvidos do regime deposto. Além disso, proibiu o Judiciário de revogar seus atos desde a posse até a eleição de novo Parlamento, bem como de dissolver o Senado e a Constituinte, onde a Irmandade Muçulmana tem maioria. E prorrogou o prazo da Constituinte para terminar seus trabalhos de 5 de dezembro para 5 de fevereiro.
No efervescente Cairo, manifestantes ocupam a Praça Tahrir, e o presidente Mursi disse que os poderes especiais que assumiu por decreto são temporários (só os néscios acreditam), e convocou o país para um “diálogo democrático”. Segundo o governo reafirma, a natureza temporária destas medidas é para se evitar qualquer tentativa de questionar ou acabar com instituições eleitas democraticamente: a Câmara Alta do Parlamento e a Assembleia Constituinte (porém, sem perder a ternura).
Trata-se sem sombra de dúvidas de uma conspiração que provocou confrontos no Cairo, que começaram semana passada nas adjacências da Praça Tahrir, e foram também retomados nos arredores da embaixada americana com artefatos de madeira, pedras e bombas de fabricação caseira.
Essa crise é a mais grave desde a eleição de Mursi, que dirige o país mais populoso do mundo árabe com 83 milhões de habitantes.
A cada dia crescem os incidentes e protestos no Cairo e continuam com novos choques registrados entre policiais e manifestantes. Neste contexto, duas altas instâncias judiciais denunciaram os superpoderes ditatoriais do mandatário. Juízes entraram em greve para que se reveja a situação. Milhares de advogados em protesto participaram de passeata no Cairo.
 Os protestos já duram mais de dez dias e envolve mais de 10 mil manifestantes. O Egito não merece passar por mais uma ditadura. Um estabelecimento comercial que fica a duas quadras da Praça Tahrir, o Café Riche, ponto de encontro de intelectuais, artistas e estudantes é o santuário dos observadores da vida pública do Egito e viu sua Primavera surgir, continua como a vanguarda do Nilo.

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Sergio Barra é médico e professor
E-mail: sergiobarra9@gmail.com

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