Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa
A imprensa ainda discute as razões que levaram o empresário australiano Rupert Murdoch a encerrar as atividades do seu título The Daily, criado para circular apenas em tabletes digitais. A causa apontada pela maioria dos analistas foi a insuficiência de renda de publicidade para criar e manter uma nova marca no competitivo mercado de mídia.
Nesse contexto, foi identificada também a dificuldade para captar receitas dispersas num mercado extremamente fragmentado e dirigir esses recursos para uma alternativa que se oferece apenas numa plataforma digital móvel.
Na edição de quarta-feira (5/12), a Folha de S. Paulo traz uma entrevista curta da pesquisadora Amy Mitchell, que dirige o Projeto para Excelência em Jornalismo do Instituto Pew, que repete algumas opiniões bastante populares entre observadores do ambiente comunicacional. Mitchell está em São Paulo para participar do seminário MediaOn, designada para opinar no painel intitulado “Mobile: qual o futuro da notícia?”
O núcleo de seu ponto de vista é a aparente impossibilidade de obter com os meios digitais a mesma receita que é produzida pelos meios tradicionais, como os jornais impressos. No entanto, sabe-se que os meios impressos, embora ainda produzam uma receita maior, estão em claro declínio.
Alguns pesquisadores chegam a declarar que em menos de uma década o número de leitores de jornais e revistas impressos vai cair bruscamente a um patamar tão baixo que o setor poderá entrar em colapso. Portanto, outros se surpreendem que uma iniciativa aparentemente inovadora, como um jornal exclusivo para tabletes eletrônicos, tenha tido uma vida tão curta.
Vida efêmera
No caso do Daily de Murdoch, seria conveniente acrescentar a essas análises o fator negativo Murdoch. Esse é um nome que, definitivamente, não combina com inovação. E uma das características mais associadas aos leitores da nova geração é certa seletividade quanto ao valor moral das informações, uma vez que eles podem opinar imediatamente sobre qualquer notícia.
Outro elemento que precisa ser considerado é o fato de que, no ambiente hipermediado em que vivemos, a construção das marcas não se faz da mesma forma como era produzida no contexto que ficou conhecido como cultura de massa, no qual as escolhas eram decididas exclusivamente entre as ofertas presentes num mainstream, ou uma corrente central de informação.
Nesse cenário, que vem sendo transformado pelos novos meios, as marcas dependiam exclusivamente da ação da mídia de massa. Essa hegemonia era tão absoluta que conseguia abrigar até mesmo as ações contraculturais.
O mundo ocidental ainda não superou o modelo de comunicação massiva, mas esse sistema convive com a realidade da hipermediação e sofre um processo de fragmentação provocado pela disponibilidade de meios menos centralizadores de comunicação e informação, o que reduz a efetividade da mídia de massa e tende, por consequência, a reduzir o valor percebido da publicização pelos meios tradicionais.
Sabe-se, por exemplo, que o efeito de um anúncio na televisão é muito menor hoje do que era há apenas três anos, porque um número crescente de telespectadores divide sua atenção entre a tela da TV e o tablete ou smartphone, aproveitando para usar esses aparelhos justamente durante o intervalo comercial.
Então, diria alguém, seria de supor que um jornal criado exclusivamente para tabletes digitais tivesse todas as condições para um futuro promissor? Não necessariamente, como demonstra a curta trajetória do Daily de Murdoch.
O fim das mediações
Primeiro, é preciso considerar que, para o papel ou para meios digitais, a produção e organização de notícias pelo processo tradicional representam um custo muito elevado.
Segundo, é preciso questionar se o público buscado pela iniciativa do empresário australiano se enquadra no perfil das audiências típicas de seus jornais e suas emissoras de televisão, que representam o pior que o jornalismo pode oferecer em termos de qualidade ética.
Por último, mas não menos importante, os debates sobre o futuro do jornalismo não têm enfrentado a questão central do fim das mediações centralizadas, como as conhecemos desde que a imprensa se tornou uma espécie de avalista dos valores comuns nas sociedades democráticas.
O surgimento e expansão das mídias digitais tende a substituir os processos midiáticos por sistemas de relacionamento, o que implica mudança essencial na criação de cultura.
Estamos envoltos no maior fenômeno de mudança cultural vivido pela humanidade desde a invenção da roda. Murdochs não têm a menor importância
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