domingo, 8 de fevereiro de 2009
Toque de classe
Será que não está cedo demais para que os futurólogos de plantão comecem a "secar" o presidente dos Estados Unidos? Será que não está cedo demais para esse ziguezague inquisitorial sobre Barack Obama, cuja posse aconteceu por esses dias? Será que não está cedo demais para cobrar do homem que assumiu a única superpotência do planeta a cura para todos os males? Será que não está cedo demais para comparações e parecenças? Será que não está cedo demais para tantas similitudes e elucubrações? Menos, menos.
A crise drástica que enfraqueceu e está fragilizando quase todos os países, não foi Obama que criou a criatura. Aliás, muitos já sabiam que a crise tinha um rosto, mas até agora se conhecem apenas as digitais. Para todos os efeitos, é muito provável que não tenham percebido, mas estavam se estruturando para esse momento há muito tempo.
Os que comandam as Wall Streets da vida, os lobistas, os senhores que conhecem o "caminho das pedras", das informações privilegiadas, sabiam que muitos papéis que rolavam no mundo eram podres e fizeram fortunas à custa da ganância e da irresponsabilidade.
Voltemos ao momento da posse. Houve um momento definidor de uma época de transmissão pela televisão da histórica posse de Obama, o primeiro presidente negro dos Estados Unidos. O discurso do presidente dos EUA, de mais ou menos 20 minutos, foi uma declaração de competência, altruísmo e boa vontade.
Deste modo, com delicadeza, mas sem vacilos, deram-se os primeiros passos dos anos Obama - nenhum muito espetacular, mas todos convergiram para uma única direção, a da transparência e da ética. Um verdadeiro toque de classe.
Em um dos pontos do discurso, ao tratar da defesa, Obama disse que "rejeitamos como falsa a escolha entre nossa segurança e nossos ideais". Lembram? A câmera focou George W. Bush, cabisbaixo, pétreo, ao lado do vice-presidente Dick Cheney, preso a uma cadeira de rodas depois de distender um músculo enquanto fazia a mudança.
Obama prosseguia. "Nossos fundadores, que encararam o perigo que nós só podemos imaginar, traçaram uma carta para assegurar as regras das leis e dos direitos dos homens, expandida pelo sangue das gerações." Naquele instante, em pouco mais de 40 palavras, ele resumiu o início de seu mandato: Obama será o anti-Bush. As primeiras 100 horas de gestão, deflagradas pelo discurso de 20 de janeiro no Capitólio, indicam esse caminho.
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“Há que se ter paciência com Obama, e muita, porque milagres e soluções imediatistas para problemas extremamente graves não acontecem num toque de mágica”
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Até onde se tem notícia, a última vez que um presidente americano criticou seu antecessor durante a posse, informa o USA Today, foi em 1933, quando Franklin Delano Roosevelt pediu ajuda para restaurar a ética enquanto Herber Hoover - presidente entre 1929 e 1933 - engolia tudo calado.
O presidente assinou - com a mão esquerda, imaginem se fosse ambidestro - uma ordem executiva determinando o congelamento de salários para os funcionários que ganham acima de US$ 100 mil por ano, o equivalente a R$ 19 mil mensais (gesto simbólico, porque apenas 100 pessoas se encaixam nessa faixa).
Restringiu a ação de lobistas em órgãos públicos, proibindo presentes de qualquer gênero, e criou um processo de abertura no fluxo de informações. Ele próprio não poderá, por conta própria, omitir ou transformar em segredo de Estado algo que o público tem direito de acesso.
O republicano Bush e sua administração deixaram estragos: linhas desconectadas, programas de computador muito antigo e falta de segurança no controle de e-mails. A CIA promete desenvolver para Obama um sistema de criptografia que lhe permita usar seu Blackberry, o smart-phone que o acompanha há anos e deveria ser aposentado por questões de segurança. Não será.
Os desafios do 44º presidente americano são imensos, nenhum deles maior que enterrar o antiamericanismo que grassou pelo mundo nos oito anos de Bush, especialmente depois da guerra do Afeganistão e no Iraque deflagrado com o 11 de Setembro. Obama quer fechar Guantânamo e criar um cronograma para a retirada das tropas do Iraque em 16 meses.
Há que se ter paciência com Obama, e muita, porque milagres e soluções imediatistas para problemas extremamente graves não acontecem num toque de mágica - inclusive que se afastem as aves agourentas. O cenário é dramático, mas Obama tem o carisma a ajudá-lo, embora a obamamania seja diferente do presidente Obama.
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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra@gmail.com
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