sábado, 12 de julho de 2008

A força das verdades


Na ÉPOCA:

Por não se furtar a investigar políticos ou banqueiros – como Daniel Dantas –, a Polícia Federal tornou-se a instituição que mais avançou no combate à corrupção nos últimos anos. Mas transformar suas ações em espetáculos de mídia é um risco para a democracia
Extraída dos manuais de resistência pacífica de Mahatma Gandhi, líder de uma das mais admiráveis proezas políticas do século XX – a independência da Índia –, Satyagraha é uma expressão em sânscrito. Satya quer dizer verdade; agraha significa firmeza. No universo de Gandhi, a satyagraha era traduzida como “força da verdade”, uma visão que envolve a opção pela não-violência e pela desobediência civil, com métodos pacíficos, para convencer o adversário pela força dos argumentos verdadeiros – e não derrotá-lo pelas armas. Satiagraha, sem y, foi o nome usado pela Polícia Federal para a espetacular operação, realizada na semana passada, em que foram levados à prisão duas figuras controversas: o banqueiro Daniel Dantas, personagem polêmico desde sua participação nas privatizações da década de 90, e o megainvestidor Naji Nahas, freqüentador das páginas de escândalos financeiros desde seu envolvimento na quebra da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro na década de 80. Na sexta-feira, a PF realizou ainda a Operação Toque de Midas. Com ela, fez uma busca e apreensão na casa e no escritório do bilionário Eike Batista à procura de documentos sobre supostas fraudes tributárias e em licitações públicas.
Num mundo sem violência, como o idealizado por Gandhi, talvez não houvesse nem necessidade de uma polícia. Na sociedade complexa que é o Brasil do início do século XXI – com uma democracia vibrante, mas repleta de imperfeições, desigualdades e onde os direitos da cidadania ainda estão longe do alcance de todos –, a “força da verdade” não é única. Há várias verdades quando se discutem as ações da PF nos últimos anos. Uma primeira verdade: a Polícia Federal foi a instituição que mais avançou no combate à corrupção no Brasil. Em maio, num levantamento especial sobre 216 operações realizadas entre 2003 e 2006, ÉPOCA mostrou que a PF desbaratou – sem poupar empresários, políticos ou juízes – organizações criminosas que movimentaram mais de R$ 50 bilhões e fizeram o país perder, em desvio de recursos e sonegação fiscal, mais de R$ 18 bilhões. Num país onde persiste a noção de que alguns estão acima da lei, isso é um avanço indiscutível. Uma parcela da população costuma celebrar os momentos em que políticos e empresários aparecem de algemas na televisão. Momentos em que, aparentemente, o país está derrotando seus males históricos.
Esse sucesso aparente embute, porém, outras verdades. Uma segunda verdade: as operações da PF, em alguns casos, têm se desviado de sua missão central. O próprio ministro da Justiça, Tarso Genro, reconhece que a PF tem cedido à tentação de transformar suas ações em espetáculos de mídia. Prisões temporárias, quando nem há juízo para a formação de culpa dos acusados, são transformadas em exibições de marketing policial ou cenas de execração pública. Durante a Operação Satiagraha, num caso que revela o arrebatamento impróprio que tomou conta das investigações, o delegado responsável, Protógenes Queiroz, pediu a prisão da jornalista Andréa Michael, do jornal Folha de S.Paulo, por ela ter cumprido seu dever profissional de publicar uma informação – cujo sigilo é de responsabilidade da PF.

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