quinta-feira, 20 de junho de 2013

A voz das ruas

Por ANA DINIZ, jornalista, em seu blog Na rede

Nos últimos três anos o governo Dilma Rousseff tentou desesperadamente manter a aparência de crescimento do Brasil. Agora, a brincadeira acabou. A realidade desponta, dura, implacável.
Eu estou à vontade para escrever isso, porque já escrevi, antes, que o modelo fordista adotado (impulso de consumo, subsídios disfarçados de estímulos para manter a máquina funcionando) mais cedo ou mais tarde iria estourar. Não se faz riqueza sem novas fronteiras de produção. Não se faz doutor com um diploma e nem se constrói uma classe média alterando o cálculo da base, como fez o Lula.
A dura realidade é que 20 centavos passaram a fazer diferença, sim. E o que vemos hoje é apenas a expressão pública de uma situação que o Brasil já viveu nos anos 1980. Mas naquela época não havia rede social para mobilização rápida. Então as pessoas não sabiam do descontentamento alheio; os órgãos de imprensa conduziam o povo.
Bem, hoje todo mundo sabe o que o vizinho está pensando ou fazendo. O vizinho e o vizinho do vizinho do vizinho dele; é mais fácil. Hoje uma pessoa pode saber que, como ela, há milhares de outras irritadas porque o macinho de coentro encolheu e aumentou de preço ao mesmo tempo. Vinte centavos, para ser mais exata.
Vinte centavos na batata, 5x20 no feijão, 3x20 no leite, outros 20 no macarrão, no arroz e na margarina. Vamos somando os 20 centavos, em múltiplos ou inteiros. O resultado é que, no final do mês, faltam muitos 20 centavos para completar a despesa. Só que os juros não baixaram 20 centavos; subiram de novo. E aí, quem está pagando casa financiada já sabe que sua dívida aumentou.
Essas passeatas todas são por 20 centavos? São. Muitos 20 centavos.
A verdadeira classe média está nas ruas. Ela raramente se mexe, a classe média. Ela não gosta de políticos (a menos que seja parente ou amigo, ou lhe faça favores) e nem de partidos políticos (um sujeito de classe média tem plena consciência de sua condição minoritária; vive imprensado entre a riqueza e a pobreza, ambas prioritárias, entre a ética e as suas necessidades). Ela não se interessa por questões sociais: delega a responsabilidade de resolvê-las para quem se habilitar. Ela só vai para as ruas quando está com raiva. Muita raiva. Por isso não tem propostas objetivas. Ela não sabe o que fazer.
E agora ela quer de volta seus 20 centavos, porque eles são indispensáveis para pagar tudo o que o governo não lhe permite usufruir. Porque a classe média não superlota os hospitais públicos, não superlota as escolas públicas e nem as cadeias. Ela é quem paga tudo isso. São de classe média os assaltados, os dentistas incendiados, os consumidores de planos de saúde e os estudantes da rede privada de ensino. A classe média é geralmente assalariada, e trabalha três meses por ano só para custear a máquina pública.
Por isso ela percebe, antes de qualquer um, que o sonho acabou, e que o país está à beira de uma crise econômica grave. Talvez até já tenha entrado nela, quem sabe? E aí são insultantes os suntuosos estádios Brasil Grande. A multidão olha e pensa: Lá estão nossos 20 centavos! Olha para o futuro expresso nas gôndolas de supermercado e na prestação da casa própria e se assusta.
Essas passeatas (eu não gosto da palavra “manifestação” – para mim, é um eufemismo visando reduzir o impacto político do ato) provavelmente serão esvaziadas por concessões objetivas, pela violência dos saqueadores e pelo cansaço. Mas elas são só o começo – a menos que o governo federal crie juízo e faça sua penitência: ponha os réus do mensalão na cadeia, despache os corruptos e incompetentes do primeiro escalão, pare de obedecer à Fifa e equilibre a dívida pública.
Ah, e passe 20 centavos, montes de 20 centavos do Tesouro Nacional para os Estados e Municípios aguentarem o tranco das ruas, aliviando os impactos da crise que começa com assistência direta aos cidadãos.
Agora, a pergunta: o governo Dilma tem coragem de fazer isso?

Um comentário:

Anônimo disse...

Apreciação perfeita.
Mas a INDIGNAÇÃO NÃO PODE E NÃO DEVE VOLTAR A HIBERNAR EM BERÇO ESPLÊNDIDO!
A "primavera do vinagre" tem de continuar no "verão da indignação geral", no "outono da cobrança das promessas nunca cumpridas de saúde e educação" e no "inverno dos investimentos congelados em segurança pública padrão FIFA".
E fora as bandeiras de partidos!!