sexta-feira, 11 de junho de 2010

Dia de cão


Costumo afirmar que o cérebro humano é realmente um divisor de águas no reino animal. É o que nos torna superiores e também nos distancia terrivelmente das demais espécies. Nesse aspecto, nossa mente pode nos salvar e também nos embrutecer. Dependendo do nível de esclarecimento, podemos descer infinitamente a escala da Criação.
Para a ciência, a fala é a expressão máxima da inteligência humana, capaz de articular sons em perfeita ordem de comunicação. Seria uma espécie de causa-efeito: a gente fala porque é inteligente e desenvolve a inteligência à proporção que vai evoluindo também o vernáculo. Porém, os animais não têm uma linguagem cognitiva a nós outros. Grosso modo, não falam, segundo nossos padrões. O certo, porém, é que não parecem sentir falta desse dom. Enquanto a humanidade padece homicídios e toda sorte de dolo pelo falar sonoro ou pela palavra do pensamento, nossos irmãos inferiores vão muito bem, obrigado.
O que dizer da alimentação? Tenho a curiosidade de saber um dia quantos itens compõem a lista de comida e bebida dos humanos. Haja rótulo nas indústrias de alimentos! Enchem-se supermercados diuturnos. Quantos são os itens do cardápio humano? Milhares? Centenas de Milhares? Não sei, tampouco os animais. Para estes, alimentar-se significa nutrir o corpo apenas por algumas horas. Nada de despensas. Nada de excessos. Diferente de muitos nobres entendidos, os animais comem apenas para viver. E não morrem por essa causa. Que inferioridade!
Ansiedade pela vida não costuma fazer parte do universo dos animais dito inferiores. Eles comem, bebem e dormem. Dormem como anjos. Enquanto nós, os evoluídos, perdemos o sono com bobagens. Não há preocupação, nem com esta vida nem com a futura. Aliás, os animais vivem a eternidade no seu dia a dia. Enquanto nós reservamos isso para pós-túmulo, sujeitos ao destino dos teóricos em futurologia da alma. Parece que esses bichinhos já descobriram a vida abundante prometida por Jesus a nós, homens. E tomaram à frente para aplicá-la de imediato.
Se os animais não têm preocupação com a vida, não há porque ficarem guardando riquezas. No máximo, os seres inferiores constroem suas casas. Nada de fazer duas ou três para especular no mercado imobiliário. Eles devem achar estranho tanta construção pelo Brasil afora. Nunca leram nossos classificados. Esse pedaço dos jornais revela parte de nossa volúpia. É tanta gente comprando, vendendo, chamando de seu o que de fato não é... Os animais nem sabem disso. Mas, exceto o maltrato humano, vivem muito bem assim.
Sexo é outra coisa bem diferente. Para os animais, procriação. Para quem pode refletir sobre prazeres, tentação. O mundo gira em torno do sexo. Quase nada se faz hoje sem que o erotismo entre em cena. Está no comercial do carro, na Fórmula 1, no futebol, nas telenovelas, na literatura e mesmo nas igrejas. Hoje, está difícil até orar. O que tem de mulher insinuante nos templos é brincadeira! O que tem de homem desrespeitoso, idem. Sexo. Mata. Enche os jornais de crimes da paixão. Destrói casamentos. Arruína a família. Escandaliza a fé. Junto com a riqueza e o poder forma o tripé do desafio humano. Quem resistir, diga: sou forte. Sou de espécie superior.
Somos tão superiores que continuamos sacrificando diariamente milhões de animais. Eles não pensam, por isso se submetem. Bem podíamos pôr nossa mente para funcionar. Inventar nossa comida. Um dia de cão talvez nos mostrasse quem de fato pensa. Principalmente se fosse na China.

RUI RAIOL é pastor e escritor (www.ruiraiol.com.br)

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