terça-feira, 27 de abril de 2010

Belo Monstro


Não causará surpresa a construção da hidrelétrica de Belo Monte. Vivemos em um país onde direitos constitucionais, individuais ou coletivos, valem conforme a conveniência do governo. Variam de acordo com o voo dos pássaros, como na Roma antiga. Se as aves políticas do Planalto voarem para o sul, será uma coisa. Caso mudem o curso, a vida do povo também mudará. Mudará independente de lei, decisão judicial ou risco. Mudará porque a teoria da divisão de poderes ainda não conseguiu nivelar as forças dessa equação no Brasil. Em ano político, sobretudo.
É impressionante que um governo, intitulado democrático, que posa de bom samaritano perante as nações, aja dessa forma com a Amazônia. Um governo que quer desarmar o Irã, mas não respeita sua própria nação. Que é capaz de ignorar toda a grita de técnicos e autoridades do próprio Estado contrários à obra.
Belo Monte será um fantasma no meio da Amazônia. Será o berço de novas lendas, que substituirão nesta parte tão bela do mundo histórias da Cobra Norato e do Boto. Novas personagens assumirão o lugar da Mula-sem-cabeça e da Mãe d'água. E Não faltará nomes para isso.
A usina atingirá economicamente a vida de milhares de pessoas. São ribeirinhos que não são foram considerados afetados pelo projeto, embora sejam. E que, portanto, nada receberão de auxílio. Eles perderão suas casas e seus meios de subsistência. Mas não contabilizarão os royalties milionários, que tanto ufanam políticos autóctones descompromissados com o povo.
Ao que tudo indica, a cidade de Altamira será parcialmente submersa. Mas sobre isso não há estudo que aponte indenizações e revitalização da cidade. Tanto importa! Para o bondoso governo podemos todos afundar, como se fôssemos lulas. Afinal de contas, quem decide nossa sorte vive no Planalto Central.
O Xingu perderá cem quilômetros. Haverá assoreamento e estrangulamento de rios, furos e igarapés. Milhões de espécimes serão sacrificados. Indígenas perderão suas milenares terras. Mas, o que importa? Se o PAC avança, tudo está justificado. Loucos! Nada fizeram pela Amazônia. E agora querem de uma vez assassiná-la. São piores que os colonizadores do Brasil colonial. Destroem a terra que nobres patriotas, com sangue, conquistaram para os brasileiros. Aviltam seu próprio povo.
Esse projeto de Belo Monte é inseguro. Todo mundo sabe. Até mesmo a viabilidade econômica é contestada. Por que não investir em energias verdadeiramente limpas, como a solar? Já está pronta. Não devasta. Não mata. Como convencer mentes sãs a respeito dessa pirâmide no meio do Xingu?
Acho improvável que todo o Ministério Público Federal esteja errado. Igualmente magistrados contrários ao projeto. Como pode ser que pessoas que estão no topo do saber de um Estado labutem em grosseiro erro? E que apenas um ministro político, admitido sem concurso público ao cargo, esteja certo? Francamente, Belo Monte nos faz ver que democracia no Brasil ainda é conversa fiada. Nos mostra que vivemos uma oligarquia planaltina. E que esse papo de apenas dois mandatos é balela quando o mandatário pode oficialmente ter candidato e apostar tudo para manter o poder. Esse é o pano de fundo.
Dez minutos decidiram o leilão. Selaram a sorte de um povo cansado de ser o depósito de riquezas do Brasil. Agora, seguindo a construção da usina, a história, sem pressa e com dados seguros, haverá de julgar este governo. Dados que a inteligência deveria impedir que caíssem nas mãos imparciais do tempo. A sorte está lançada!

-------------------------------------------

RUI RAIOL é pastor e escritor (www.ruiraiol.com.br)

3 comentários:

Anônimo disse...

O que tem a ver ser concursado o não concursado com conhecimento de causa?
O texto cita uma porção de "fatos" sem usar dados que o comprovem (no caso dos impactos sociais), como aferir a crediblidade?
O articulista conhece o novo projeto?
O blog devia abrir espaço pro contraditório.

Anônimo disse...

Que isso!
Quanta parcialidade!

Ubiratan Mendes disse...

Pergunto apenas: o que seria do Brasil hoje sem as usinas que foram construídas em décadas passadas? Faltaria energia. Dizer que um projeto que foi aprovado pelo Congresso e pelo IBAMA agride princípios constitucionais é forte.
Qualquer projeto jamais agradará a todos, mas o país precisa de obras de infraestrutura - especialmente no campo da energia. O país é rico em recursos hídricos. Outros tipos de usinas são mais agressivos (nuclear, termoelétrica, etc.) ou geram menos energia, a um custo mais caro. O projeto atendeu a requisitos ambientais. Os índios que protestam têm suas aldeias situadas na parte baixa do rio (que nasce no Mato Grosso e segue para o Pará), não serão afetados. Estão sendo mobilizados por ongs e partidos antagônicos ao governo.