segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Identidade estética nos protestos


A esquerda se move. É justamente por esse motivo que filósofos, sociólogos e cientistas políticos procuram entender por que a esquerda finalmente está se movendo - e para onde. O britânico Alan Moore criou alguns clássicos das histórias em quadrinhos e alguns ganharam mais popularidade com as adaptações para o cinema. São os casos de "Watchmen" e "A Liga Extraordinária". Surpreendentemente, no entanto, uma de suas criações tornou-se identidade estética nos protestos e, também, nas manifestações anticapitalistas: a enigmática máscara usada pelo anti-herói de "V de Vingança".
Moore geralmente não se surpreende quando suas criações ganham vida própria longe das páginas impressas. Tiras que ele desenhou nas décadas de 1980 e 1990 foram processadas pela fábrica de bolinhos de Hollywood, nunca para grande satisfação do autor, resultando em sucessos de crítica e também em terríveis fracassos. Modas para camisetas, botões e slogans gritados surgiram de personagens e conceitos que ele sonhou para títulos como "Watchmen" e "Do inferno". "Acho que me acostumei com o fato", diz o autor de 58 anos, "de que algumas de minhas ficções vazam para o mundo material".
Mas Moore foi apanhado desprevenido nos últimos anos, especialmente em 2011, pela presença inconfundível de certa máscara usada em protestos em todo mundo. O personagem criado por Moore foi inspirado no revolucionário inglês Guy Fawkes, condenado à morte após tentativa fracassada de explodir as Casas do Parlamento e tomar o poder na Inglaterra, no século 17. O desenhista responsável pelas ilustrações da história, David Lloyd, assim como Moore, provavelmente não imaginava que a máscara se tornasse símbolo dos novos movimentos sociais espalhados pelo mundo, como o "Occupy".
"V de Vingança" fala de uma Grã-Bretanha do futuro (na verdade 1997, quase duas décadas depois de quando Moore o escreveu), sob o tacão de uma ditadura. A população está deprimida e pouco faz para emancipar-se. Entram em cena Evey, uma órfã, e V, um vigilante fantasiado que se interessa por ela. Durante 38 capítulos, cada um intitulado com uma palavra começando por "V", acompanhamos o anti-herói brutal e falante e sua aprendiz enquanto atormentam os poderes dominantes com atos de resistência violenta. Durante toda a história, V usa uma máscara que nunca retira: pele branca e faces rosadas, barba desenhada a lápis, olhos semifechados sobre um sorriso inescrutável. Provavelmente você já conhece bem.
"Esse sorriso é tão misterioso", diz Moore. "Eu tentei usar a natureza críptica dele com um efeito dramático". Com a crescente popularidade da máscara Moore passou a ver sua atração como algo mais que uma proteção de identidade. Ela transforma os protestos em performances. A máscara é muito teatral, ela cria uma sensação de romance e drama.
A certa altura de "V da Vingança", V fala a Evey sobre a importância do melodrama em um movimento de resistência. É apropriado que esta geração de manifestantes tenha transformado sua rebelião em algo em que o público em geral pode se envolver mais facilmente do que com slogans desanimados, como aquele tipo de protesto tradicional e batido. Essas pessoas parecem estar se divertindo. E isso envia uma mensagem tremenda.
Esse ensaio é sobre a luta política que se estabelece a partir do desencanto provocado pelas crises econômicas e pelo esgotamento da social- democracia. Uma frase esclarecedora: "A principal função da esquerda é permitir que quem paga a orquestra escolha a música".
Só assim, acreditamos, teremos o melhor repertório.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmal.com

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