segunda-feira, 28 de maio de 2012

Tormenta à vista


Sem fim e sem rumo. A opção pela austeridade continua a fazer vítimas e a não produzir resultados. Exaustos das torturas de severidade, indignados das chantagens dos mercados, as massas continuam nas ruas para protestar. A Europa vive uma crise terminal. Caixa de ressonância da opinião oficial alemã, a mídia conservadora acena com os riscos do populismo à esquerda e à direita e não se cansa de atribuir a crise europeia aos desmandos fiscais dos governos gastadores e perdulários. O ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schauble, roda o realejo de Angela Merkel: "não há alternativa para austeridade". A Wermacht e Goebbels não fariam melhor.
Na aurora do euro, eliminando o risco cambial pela adoção da moeda única, a corrida dos bancos para abocanhar novos devedores na periferia foi frenética. Os bancos alemães e franceses lideraram o certame, à frente dos suecos, austríacos e ingleses. Em meio à consigna que proclamava "desta vez será diferente" os bancos do "centro" promoveram um impressionante "movimento de capitais" intraeuropeu, capturando em sua rede de devedores os congêneres dos "periféricos". Formaram posições credoras pesadas contra os colegas da Espanha, de Portugal, da Irlanda, da Grécia. A dívida intrafinanceira foi às alturas e disseminou paulatinamente o risco sistêmico.
A maioria dos ditos PIIGS caiu na farra do endividamento privado, ensejada pela redução rápida e drástica dos juros cobrados aos devedores privados dos países cujas moedas, se existissem, não proporcionariam tal moleza. As mentiras e tapeações começam por ignorar que até 2007 os déficits fiscais dos ditos periféricos (Grécia, Portugal, Espanha, Itália, Irlanda) estavam muito bem comportados, respeitavam, com sobras, os critérios de Maastrich, ainda que Grécia e Itália apresentassem níveis de endividamento cronicamente elevados. Resumo da peça: os bancos estrangeiros, sobretudo alemães e franceses, financiavam o consumo dos gastadores periféricos que derramavam suas demandas pressurosas nas engrenagens da indústria alemã.
Diante dos riscos de o país abandonar o euro, os capitais escapam da Grécia. Assustados com o possível retorno do dracma e no afã de proteger o valor de suas reservas líquidas e de seu patrimônio, os investidores - cidadãos e empresas - sacam dos bancos locais os depósitos e transferem as aplicações ainda denominadas na moeda única. Na maioria dos casos, a grana corre para onde? Claro, para a Alemanha. Aí, o dinheiro dos gregos dá impulso à valorização dos títulos alemães e engorda os depósitos dos bancos.
A Hélade vive os tormentos de uma crise terminal. A crueldade que atormenta há quatro anos os assalariados dos setores privados e público, submetidos à tirania de uma austeridade que só agravou o problema, ameaça agora se transmutar numa colossal desvalorização de riqueza. A evolução da crise demonstra seu caráter impessoal: as tentativas individuais de proteção e a "fuga para qualidade" jogam o jogo da destruição da riqueza coletiva. Por isso, na área monetária unificada, a Grécia não estará só em suas desventuras. Espanha, Itália, Portugal, vulneráveis, também sofrerão de maneira aguda os efeitos da derrocada grega.
Mas, oh, é tormenta à vista, mesmo. França e Alemanha custam a se entender, enquanto a crise se acelera na Grécia e na Espanha. É provável que a crise não atingisse tais culminâncias se as autoridades europeias tivessem admitido a inevitabilidade de uma reestruturação ordenada da dívida e do controle público do sistema bancário. Ademais, teriam, assim, mitigado as agruras da recessão e bloqueado o avanço contagioso da crise financeira.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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