quarta-feira, 26 de agosto de 2015

O acusado político



Ao ver a mídia nacional dar ampla cobertura à denúncia contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, fui despertado para essa situação sui generis de que usufrui a figura dos políticos quando acusados.
Em matéria criminal, todo acusado comum tem nos autos do processo o meio para exercer a sua defesa. Porém, com políticos não é assim. Depois de sofrerem alguma acusação séria e, como no caso de Cunha, serem mesmo processados, políticos ocupam a vitrine para negar a acusação e até tentar ridicularizar o Ministério Público e o Judiciário. Independentemente de culpa ou inocência, é esse espaço que chama a minha atenção.
Ouvimos constantemente políticos afirmarem que as instituições precisam ser respeitadas. Isto nos faz pensar que raramente o Ministério Público iria denunciar alguém graciosamente. Sabemos que é crime imputar conduta criminosa a alguém quando se sabe que essa pessoa é inocente. O Ministério Público, assim como o Judiciário e todo o ordenamento jurídico, está assentado no fundamento da verdade.
A acusação faz parte da democracia. Sua outra face é a defesa. Trata-se de um processo democrático mesmo, onde uma pessoa só é declarada culpada depois de uma sentença irrecorrível. Portanto, a acusação é apenas o começo da trilha, devendo ser recebida com a seriedade que as instituições merecem. Se, ao fim do processo, o Judiciário arquivar ou inocentar, ninguém tem juridicamente o direito de apontar o dedo. É inocente.
Agora, interessante essa vitrine. Não bastasse a possibilidade da existência do ilícito, o fato ainda é utilizado para denegrir a imagem das instituições processantes e de pessoas que estejam na outra ponta dessa relação processual. A ideia depreciativa dessas instituições é um grande mal ao avanço da democracia. Sim, porque se um parlamentar federal vem a público dizer que a Procuradoria Geral da República e o STF não são órgãos sérios, o que nós, simples mortais, teremos de pensar dessas instituições?
Acredito que deveríamos avançar mais em âmbito de direito eleitoral. Avançar em termos processuais para coibir esse estado de coisas. Talvez para resguardar a verdade, nosso ordenamento precisasse dizer que, em sendo instaurada uma ação, ficaria vedado qualquer tipo de comentário, fosse da parte do acusado, fosse do órgão processante. Isto evitaria tantos juízos de valor. Evitaria muitos danos. E pouparia a população.
O foro privilegiado dos políticos não lhes confere a prerrogativa de usar a mídia para fins de defesa. Não é este o fórum. A defesa acontece nos autos. Então, seria salutar que não se antecipassem discursos apologéticos, muito menos discursos condenatórios das instituições e autoridades envolvidas.
Alguém poderia pensar que esta ideia de silêncio seria atentatória contra a democracia. Acredito que não. Hoje, é muito desigual a abordagem dos agentes. Não recordo de ter visto a Procuradoria da República estar a todo tempo acenando com uma denúncia. Não recordo nem mesmo de alguma entrevista coletiva onde anunciasse a sua decisão de fazer isso, etc. Pode ter havido algum barulho, mas nada comparado ao que nos vem depois de protocolizada a denúncia e de ser instaurada de fato a ação. A desproporção está aí. A desigualdade. A conduta nada democrática, pois o que o Ministério Público diz está escrito nos autos.
Como observa Anelise de Nazaré, em certo trabalho, em se tratando de matéria eleitoral, é de suma importância lembrar que o cargo político não constitui, em si, um privilégio, mas um encargo. Um encargo conferido por aqueles que depositaram confiança no indivíduo ou na sua legenda partidária, com o intuito de construir e defender o Estado e a democracia. E o Estado, ente figurado, é composto pelos Três Poderes: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário; pelas Funções Essenciais à Justiça, como o Ministério Público e a Defensoria Pública; por princípios e, o essencial, pelos seus cidadãos.
Criticar a legitimidade de um destes é deslegitimar toda uma estrutura construída a partir de profundas reflexões acerca de direitos, que foram suprimidos durante o regime ditatorial e resgatados na redemocratização. De certo modo, a postura do presidente da Câmara diante das investigações consolida a visão de que, ao exercerem o mandato político, os parlamentares organizam-se em uma roda diante da “fogueira da vaidade” e as Casas Legislativas são o céu, que é pequeno para tantas estrelas. Não ameace apagar o fogo ou ofuscar o brilhantismo de um, mesmo se for em defesa do Estado e da Democracia.

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RUI RAIOL é escritor
www.ruiraiol.com.br

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