quinta-feira, 1 de julho de 2010

Fator Marina


Marina Silva é o diferencial desta campanha. Mulher de origem humilde e aparência frágil, sua candidatura constitui um desafio à ostentosa Dilma Rousseff. É uma pedra no caminho de Lula e Serra. Dilma também é mulher, porém a aura de poder à sua volta dá-lhe o contorno dos césares.
Marina é a candidata mais sabatinada de todos. Sua fé em Deus, um dos principais alvos. Perguntam-lhe sobre criacionismo e união homoafetiva. Curiosamente só a ela. Parece que estamos elegendo um bispo. FHC foi mais poupado.
Mas o fator Marina pesa mesmo nos bastidores evangélicos. Quem diria! Igrejas protestantes no Brasil têm apregoado há décadas que o país precisa de homens públicos com temor de Deus. Sempre condenaram candidatos que buscam recursos no sincretismo religioso. Muito embora haja quem aplauda efusivamente qualquer figura que carregue no peito a faixa presidencial.
Nos últimos anos, boa parte da liderança de igrejas brasileiras politizou-se. Há tempo que púlpito virou palanque. Nunca o contrário, porque ministro religioso dessa estirpe não sabe mais pregar o Evangelho. Algumas convenções de pastores têm o governo como principal caixa. Por isso mercantilizam abertamente o voto do rebanho. Algo asqueroso! Política e religião quando se casam geram monstrengos. Monstrengos que afugentam crentes. Só estes, porque simpatizantes e aliados políticos não se assustam com nada.
Em nível estadual e nacional, dirigentes de convenções de pastores costumam tecer alianças nesta época. Sempre foi assim. Em São Paulo, prefeito e governador abrem os grandes conclaves nacionais. Têm direito à voz e quase ao veto. Aqui no Pará, já ouvi presidente de convenção de pastores gabar-se de sentar à mesa para almoçar com a governadora do Estado. A troco de quê? Meditação bíblica? Oração? Conselhos éticos? Nunca. Alguns políticos são mais santos.
Chegou a hora da verdade! Será que essa parte venal da liderança das igrejas evangélicas vai fechar com Marina? Seriam capazes de apostar em nossa irmã na fé, mesmo sabendo que poderão perder privilégios? Duvido. Esse pessoal não está interessado em nada, a não ser em investir no mercado imobiliário e aumentar a criação de gado. São essas as ovelhas que eles conhecem. Vai cair a máscara!
José Serra e Dilma estão convidando a liderança das igrejas. Querem a todo custo excluir o fator Marina. Nem precisava! Marina Silva já está dando muito bem o seu recado. É, como comparou-se, uma frágil "Davi" diante de "Golias". A pedra já foi arremessada. E muita gente vai tombar.
Já estou pensando no argumento que alguns religiosos vão utilizar contra o fator Marina. Eles dirão que oraram, e Deus lhes mostrou Dilma ou Serra. Outros dirão que tudo tem seu tempo: Marina vai governar quando for "o tempo de Deus". Os mais técnicos dirão que o Brasil está no rumo certo e eles "não podiam" mudar isso. Seguindo o espírito da Copa, justificarão que "em time que está ganhando, não se mexe". E daí por diante. Podemos esperar tudo.
Agora, de criatividade mesmo precisarão se, apesar da negativa, Marina Silva chegar à Presidência: "Foi a vontade de Deus". "Apesar de tudo, votei nela". "Eu senti que ela ia vencer". "Vamos render um culto em ação de graças pela vitória de nossa irmã!"...
Nesse mesmo dia Marina será procurada. Haverá gente interessada em alianças para um eventual segundo mandato. Outros se oferecendo para almoços. Tomara que a presidenta tenha guardado algumas pedras: ainda existirá um exército de golias escondidos atrás da Bíblia.

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RUI RAIOL é pastor e escritor (www.ruiraiol.com.br)

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