quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

A inocência nos tempos da febre amarela


ISMAEL MORAES
Advogado

Na verdade, vou falar de um tempo em que sequer vi alguém com febre amarela. Também é verdade que nesse tempo vi muitas pessoas padecendo de malária, trazidas que eram dos grotões do Marajó pelo meu pai, Raimundo Magno de Moraes, o Bita, prático da medicina que durante muitos anos foi a única referência em saúde numa grande extensão do arquipélago até as bordas da região central da grande ilha.
Nesse tempo, aqui em Belém e pelo sertão amazônico, entre as pessoas respeitadas estavam os “guardas da Sucam”, com uma aura de autoridade mesmo. Vestidos com uniforme tipo safári, andavam em rurais bandeirantes. Chegavam às casas, olhavam ao redor, pediam permissão, entravam, vistoriavam os banheiros, os “chagões” (saguões), os quintais. Nada que pudesse acumular água lhes escapava. Furavam latas, vasilhames, objetos emborrachados. Recomendavam serenamente, e eram obedecidos. Documentavam as visitas. Nessa época, o Aedes aegypti ameaça apenas com a febre amarela, e sempre perdia a guerra para esses soldados.
As crianças, sem saber por que, nutriam-lhes admiração.
À medida que cresci, da adolescência à idade adulta, ao lembrar disso, ria de mim mesmo, considerando-me um bobo por ter admirado aqueles que, “sabe-se lá, possuíam quase nenhuma escolaridade, e faziam um trabalho sem qualquer qualificação”. E concluía sobre minhas lembranças: “como eu era ingênuo!”.
Mas agora consolido minhas recordações, e tenho outra conclusão: “como eu intuía corretamente quando criança, e como, depois, fui tolo na minha arrogância em desqualificar aqueles dedicados homens, que eram, sim, guardas da saúde pública!”.
Esses homens erradicaram o Aedes aegypti por pelo menos três vezes na nossa História: na década de 50, no final da década de 60 e no início da década de 80.
Mas o nosso “sistema de saúde”, ao se aprimorar, recebendo cada vez mais receitas, se desqualificou, enquanto o mosquito, cada vez mais mostra grande avanço no seu aprimoramento. Hoje conta ainda com seu antigo produto, a febre amarela, e mais três novidades: a dengue, a febre chikungunya e o zika vírus.
Não sei quais eram mesmo as qualificações dos guardas da Sucam, mas vendo a incapacidade dos agentes de saúde (todos com nível “superior”!) e a total incompetência dos gestores públicos, dos presidentes da República, passando pelos governadores e chegando a cada prefeito, não tenho como deixar de lembrar de mais uma demonstração de sabedoria de Ariano Suassuna: “É tanta qualificação que exigem para dar emprego, que não conheço um patrão com condições de ser empregado!”

Ou seja, estamos elegendo os insetos errados!

Um comentário:

Anônimo disse...

A sucam era brilhante no período militar e a formação deles não era de alto nível. Cantar o hino nacional, orgulhar-se da sua pátria e andar tranquilamente nas ruas foram conquistas que a "democracia(?)" trouxe.