ISMAEL MORAES
Advogado
Na verdade, vou falar de um tempo em que sequer
vi alguém com febre amarela. Também é verdade que nesse tempo vi muitas pessoas
padecendo de malária, trazidas que eram dos grotões do Marajó pelo meu pai,
Raimundo Magno de Moraes, o Bita, prático da medicina que durante muitos anos
foi a única referência em saúde numa grande extensão do arquipélago até as
bordas da região central da grande ilha.
Nesse tempo, aqui em Belém e pelo sertão
amazônico, entre as pessoas respeitadas estavam os “guardas da Sucam”, com uma aura
de autoridade mesmo. Vestidos com uniforme tipo safári, andavam em rurais
bandeirantes. Chegavam às casas, olhavam ao redor, pediam permissão, entravam,
vistoriavam os banheiros, os “chagões” (saguões), os quintais. Nada que pudesse
acumular água lhes escapava. Furavam latas, vasilhames, objetos emborrachados.
Recomendavam serenamente, e eram obedecidos. Documentavam as visitas. Nessa
época, o Aedes aegypti ameaça apenas
com a febre amarela, e sempre perdia a guerra para esses soldados.
As crianças, sem saber por que, nutriam-lhes
admiração.
À medida que cresci, da adolescência à idade
adulta, ao lembrar disso, ria de mim mesmo, considerando-me um bobo por ter
admirado aqueles que, “sabe-se lá, possuíam quase nenhuma escolaridade, e
faziam um trabalho sem qualquer qualificação”. E concluía sobre minhas
lembranças: “como eu era ingênuo!”.
Mas agora consolido minhas recordações, e tenho
outra conclusão: “como eu intuía corretamente quando criança, e como, depois,
fui tolo na minha arrogância em desqualificar aqueles dedicados homens, que
eram, sim, guardas da saúde pública!”.
Esses homens erradicaram o Aedes aegypti por pelo menos três vezes na nossa História: na
década de 50, no final da década de 60 e no início da década de 80.
Mas o nosso “sistema de saúde”, ao se aprimorar,
recebendo cada vez mais receitas, se desqualificou, enquanto o mosquito, cada
vez mais mostra grande avanço no seu aprimoramento. Hoje conta ainda com seu
antigo produto, a febre amarela, e mais três novidades: a dengue, a febre chikungunya
e o zika vírus.
Não sei quais eram mesmo as qualificações dos
guardas da Sucam, mas vendo a incapacidade dos agentes de saúde (todos com
nível “superior”!) e a total incompetência dos gestores públicos, dos
presidentes da República, passando pelos governadores e chegando a cada
prefeito, não tenho como deixar de lembrar de mais uma demonstração de
sabedoria de Ariano Suassuna: “É tanta qualificação que exigem para dar emprego,
que não conheço um patrão com condições de ser empregado!”
Ou seja, estamos elegendo os insetos errados!
Um comentário:
A sucam era brilhante no período militar e a formação deles não era de alto nível. Cantar o hino nacional, orgulhar-se da sua pátria e andar tranquilamente nas ruas foram conquistas que a "democracia(?)" trouxe.
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