segunda-feira, 20 de janeiro de 2014
À sombra das incógnitas
Sem meias palavras, o ano que terminou foi uma colcha de retalhos. Foi um ano de desperdícios. A persistente indecisão do governo em tomar providências nos campos da infraestrutura, economia, saúde e educação gerou polêmica e muitas manifestações de rua. Adivinhar o futuro fascina a humanidade desde a Antiguidade. Era costume na Grécia Antiga, os generais consultarem as pitonisas do oráculo de Delfos antes de partir para as batalhas. Hoje, as previsões têm um ar mais científico. Estão baseados em sofisticados modelos matemáticos, gigantescas bases de dados e cálculos feitos em computadores de última geração. Na prática, elas continuam funcionando como no tempo das pitonisas.
Os videntes de plantão adoram se debruçar em teorias malucas e se aventurar nos mistérios da vida. O ano que se inicia será o das grandes incógnitas, 2014, e não me refiro às eleições, que, acontecessem hoje, confirmariam Dilma Rousseff na Presidência da República, conforme as pesquisas. Contudo, a situação insiste em afirmar, para se defender, que existe um complô globalizado contra o governo. Ora, qualquer rebaixamento da nossa economia na classificação mundial exerceria inescapáveis consequências sobre a campanha eleitoral.
No alvorecer de um ano dramaticamente incerto, algumas perguntas se fazem pertinentes e podem influir diretamente no governo e nas eleições que se aproximam. Que influência exercerá o Mundial de Futebol sobre as rotas eleitorais? Como se sairão os organizadores da Copa e que repercussões o Brasil conseguirá no exterior em função de seu desempenho, no bem e no mal, como sede do evento? Novas manifestações populares tomarão conta do País como se deu na Copa das Confederações? Como andará no período a economia brasileira?
Esta última pergunta é o calcanhar de Aquiles em que o governo nem pensa cogitar que algo dê errado. Mas a situação admite que possa haver um estratagema conspirador, selado entre determinada mídia e certo jornalismo econômico de além-mar, já useiro, a esta altura, em desenhar o desastre econômico do governo. Pois é, vale formular mais perguntas, e todas válidas, mas a situação tem pavor e vai continuar achando que sempre estarão conspirando contra o governo.
Ah! Algumas boas notícias. A prisão dos mensaleiros, as manifestações, os black blocs, ciência, censura: o ano que se encerrou apresentou complexas questões éticas para o Brasil. 2013 foi, para todos os efeitos, um ano decisivo para o Brasil: o ano em que a insatisfação ganhou as ruas de todo o país em manifestações gigantescas, e no qual os condenados no maior esquema de corrupção da história - inclusive altos chefes políticos - foram afinal presos.
Povo nas ruas, corruptos na prisão: é o que se espera de uma democracia digna do nome. Ademais, não será exato concluir, a partir desses dois fatos apenas, que o Brasil viveu uma era de inédito avanço ético. Os resultados efetivos das manifestações que eclodiram em junho/2013 são tão vagos quanto as queixas que as motivaram. Com frequência, também, as demonstrações resultaram em episódios indiscriminados de violência e vandalismo - além de muitos casos de excesso por parte das forças policiais chamadas a manter a ordem.
A demorada prisão dos principais mensaleiros, ordenada pelo STF em novembro, oito anos e meio depois que o escândalo foi revelado, suscitou inacreditáveis manifestações de contrariedade e indignação. É um indicativo de que ainda não se universalizou no Brasil uma compreensão que deveria ser consensual: o império da lei vale para todos, ricos e pobres, esquerdistas e direitistas, e ninguém está autorizado a rompê-lo, nem mesmo se pretensamente o faz a serviço da justiça social. 2014 seria bem mais razoável se as pessoas descessem de seus pedestais de autossuficiência e pisassem com os pés no chão.
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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com
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