segunda-feira, 5 de novembro de 2012
A Justiça sob o contemplar da história
A Justiça comete erros e acertos. E aconteceu em muitos julgamentos célebres da História. É bom não esquecer e lembrar casos em que a lei dos homens foi aplicada de maneira equivocada, branda, até maliciosa, e que acabaram se tornando retrato de uma época ou de um regime. O provérbio: “A justiça tarda, mas não falha”, sempre lembrado quando se chega a um bom desfecho, não é inexorável. A justiça pode estar no banco dos réus. Da Antiguidade aos dias de hoje, por julgamentos polêmicos que escandalizaram sociedades e ainda provocam debates sobre as decisões do Poder Judiciário.
Na Antiguidade, no segundo semestre do ano 399 a.C., Sócrates foi alvo de denúncia. Acusado de afrontar a lei por não “reconhecer os deuses da cidade e introduz novas divindades, ele a infringe, ainda, por corromper a juventude. Pena exigida: a morte”. O arconte (funcionário público) que tinha o cargo de regente promoveu uma investigação, acatou a denúncia e transmitiu o dossiê ao Heliaia, o tribunal de justiça do qual todos os cidadãos podiam participar, como queria a lei. O julgamento acontecia diante de um júri composto de 501 heliastas escolhidos por sorteio.
Alegou ter sido tão caluniado que precisaria de semanas inteiras para se defender. Ademais, refutou os argumentos da acusação: “Não há uma única palavra verdadeira”. Condenado injustamente, não por motivo político, religioso ou de vingança pessoal, mais para satisfazer a mediocridade da maioria, incapaz de se alçar à sua altura. Era a volta do exercício da democracia e do poder conferido a todo e qualquer cidadão, de decidir pela vida ou pela morte de um sábio, que o perdia. Por uma magra maioria de 30 votos - uma insignificância, mas em nome da liberdade, o que não permitia nenhuma reação. Sócrates foi o bode expiatório ideal. Ele tinha razão de dizer aos que o julgaram que morreria de um excesso de democracia, “a ditadura da ignorância”.
Ainda na Antiguidade, a Justiça lava as mãos. Pôncio Pilatos, procurador da Judeia entre 26 e 36, não respeitava a política da boa vizinhança. Aparentemente, ele não se preocupou em conhecer mais a fundo o judaísmo, e sim acabou por incomodar as crenças religiosas judaicas, o que provocou incidentes sangrentos. Pilatos não estava à altura da situação. Responsável pelo julgamento de Jesus Cristo, ele cedeu à condenação popular para não se comprometer. Faltando, assim, às suas obrigações como magistrado.
Aproximava-se a época das comemorações da Páscoa, festa principal do calendário religioso judeu. Jerusalém cheia de peregrinos para participar das cerimônias, e na efervescência que reinava na cidade um rumor: um galileu havia sido preso, Jesus de Nazaré. Por que? Jesus não hesitava ao atacar de frente os membros da autoridade religiosa, o Sinédrio, os doutores da Lei e também os fariseus, representantes do judaísmo ortodoxo.
Do ponto de vista jurídico, Jesus não cometeu nenhum crime, segundo a Lei judaica ou romana. As autoridades do Sinédrio não aceitavam o discurso de Jesus. O sumo sacerdote do Sinédrio Caifás, lhe perguntou: “Tu és o Messias, o filho de Deus?”. E Jesus respondeu: “Tu é que o dizes”. Essa era a blasfêmia pela qual o Sinédrio esperava. Pilatos libertou Barrabás e entregou Jesus aos soldados. Deliberadamente ele lavou as mãos, demonstrando que não assumia a acusação daquela condenação.
Esses foram apenas dois exemplos de inocentes condenados, entre muitos. A sociedade deve estar atenta para que a justiça não extrapole seus limites, nem fuja de seus deveres.
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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com
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