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“Até agora, eu não tenho conhecimento de uma só sentença que tenha transitado em julgado”, lamentou Cazetta, o palestrante de ontem no seminário sobre improbidade administrativa que o Ministério Público Federal promove e que inclui, além das palestras, uma exposição montada na Casa Rosada (Generalíssimo, entre Boaventura e Domingos Marreiros)
Não apenas a Sudam, todavia, é motivo de decepção. O procurador mostrou-se preocupado com a falta de efetividade do Judiciário em ações de todo gênero. Falta de efetividade é traduzível assim: a demora em resolver as questões, em sentenciar, em punir num prazo pelo menos razoável aqueles que infringem as leis, sobretudo os que embolsam descaradamente recursos públicos.
Treze anos depois, e nada
Cazetta contou, por exemplo, que a primeira ação civil púbica proposta por ele, na condição de membro do MPF, foi em 1996. Era um caso envolvendo um garimpeiro. “Eu até evito verificar como é que anda hoje essa ação. Mas tenho certeza de que até agora esse caso ainda não foi sentenciado”, afirmou o procurador.
Ele não atribuiu apenas ao Poder Judiciário a responsabilidade por essa. Dividiu-a com outras instâncias e enfatizou várias vezes que, no seu entender, é preciso mudar a mentalidade para fazer com que a demora e o formalismo a que se apega a Justiça brasileira sejam pelo menos um pouco reduzidos.
Sobre mudança de mentalidade, Cazetta demonstrou que o bom senso e o senso de justiça devem se sobrepor ou, por outra, devem suprir eventuais lacunas nos códigos, tudo isso convergindo para que os processos sejam julgados com maior celeridade e se evitem prescrições que fatalmente colocarão a perder todo o esforço do Ministério Público e das instâncias inferiores do próprio Poder Judiciário, quando condena os envolvidos em qualquer espécie de delito ou ilícito.
É o caso, lembrou o procurador, das ações de improbidade, muitas das quais, como a da Sudam, envolvem desvios de montanhas de dinheiro. Nesses casos, acrescentou Cazetta, é preciso dar prioridade a esses processos, é preciso impulsioná-los com maior empenho, porque o grau de lesividade dos ilícitos de que tratam é muito grande e, além disso, envolve dinheiro público.
Cazetta exemplificou: um processo referente a fraudes em benefícios previdenciários não pode ter prioridade em relação a um que trata sobre trabalho escravo, crime este muito mais grave, muito mais atentatório à dignidade humana do que aquele. Caberia ao sistema judicial, ensinou o procurador, intuir naturalmente que processos assim devem ter uma atenção maior, sob pena de prescreverem, em benefícios dos criminosos.
Especializar varas não é a saída
Em resposta a uma indagação do blog, Ubiratan Cazetta mostrou-se cético quanto à criação de varas especializadas para julgar ações de improbidade administrativa e as ações penais que delas eventualmente decorram. Receia o procurador que a criação de varas com essa finalidade específica resultem concretamente, ao fim e ao cabo, na criação de mais uma gavetona para guardar processos que acabarão na vala comum da prescrição.
Também em resposta a uma pergunta do blog, o procurador admitiu que a criação da Controladoria Geral da União contribuiu decisivamente para o desvendamento de atos de improbidade envolvendo gestores públicos. O Ministério Público Federal, disse o procurador, tem aproveitado frequentemente as preciosas, detalhadas informações da CGU para instruir seus procedimentos. Mesmo assim, disse Cazetta, a estrutura com que atua está aquém da necessária para inibir de maneira mais efetiva condutas lesivas aos cofres públicos.
O seminário termina nesta quinta-feira. A partir das 17h, no auditório da Justiça Federal (Domingos Marreiros nº 598, entre Generalíssimo e 14 de Março), o procurador Daniel Avelino vai falar sobre o caso dos kits escolares, o maior escândalo do governo Ana Júlia, que resultou no ajuizamento de uma ação de improbidade contra secretários, empresários e uma empresa, a Double M.
4 comentários:
Se o procurador, que sabe, conhece dos assuntos jurídicos e acompanha os processos, está desanimado e decepcionado, imagine qual é o nosso sentimento!
Esses decepção e desânimo minam nossas esperanças e desacreditam a justiça.
E lá se esvai a capacidade de indignação.
E, com ela, qualquer chance de reação.
Triste e lamentável.
Quem dera tivéssemos uma dezena, ou mais, de Cazettas. Já faz tempo que ele está na linha de frente. Quando ele começou a aparecer dava para pensar que seria como os outros que acabavam de entrar, combatiam, combatiam e saiam de cena. Taí um incansável que continua com coragem. Parabéns ao grande homem público.
Brindados e "blindados" pela impunidade.
Em quanto tempo tramitaram os inquéritos policiais (IPL) relativos a esses casos antes que chegassem ao conhecimento da Justiça, com denúncias?
Em quanto tempo tramitaram os procedimentos investigativos criminais (PIC) relativos a esses casos antes que chegassem ao conhecimento da Justiça, com denúncias?
Somente assim poderemos avaliar qual órgão mais eficiente.
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