quinta-feira, 11 de setembro de 2008

É preciso que cada qual faça o seu cada qual


O problema deste País é que ninguém sabe mais a quem compete fazer o quê.
Eu sou de um tempo em que as funções no aparelho judiciário eram muito bem definidas: a polícia investigava, o Ministério Público processava e o juiz julgava.
Hoje, a polícia julga e executa (por exemplo, expondo os presos à execração pública, que é a pena mais cruel nos dias de hoje) e os juízes e promotores tiram onda de bate-pau, envergando ridículos coletes pretos com letras amarelas e exibindo óculos escuros de grife, em ridícula blitz, que quase sempre é meramente pirotecnica.
É por isso que a Defensoria Pública, teleologicamente encarregada da defesa de direitos individuais, arvora-se a propor, ampara por lei nitidamente inconstitucional, ação civil pública, destinada exclusivamente à tutela de interesses difusos e coletivos, sobrepondo-se à legitimidade do Ministério Público, das pessoas jurídicas de direito público e das organizações não governamentais que tenham por finalidade estatutária a defesa destes interesses supraindividuais.
É por isso que a Abin se mete a fazer as vezes da Polícia Federal. Por que diabos a Polícia Rodoviária Federal também quer fazer escuta telefônica? Ninguém telefona para dizer que nas estradas vai avançar sinal, ultrapassar pela direita, imprimir excesso de velocidade ou dirigir embriagado... Só pode ser mesmo para espionar!
E é por isso que tem candidato a vereador prometendo legislar sobre segurança pública, matéria da competência do Estado e da União, ou seja, sobre a qual as Câmaras Municipais não têm, talvez, o menor poder de decisão, ou, se tiver, é coisa pouca.
Agora me vem o Conselho Nacional de Justiça impondo "regras para a atuação dos juízes" sobre a quebra de sigilo telefônico.
Ora, ora, ora... Ao CNJ, criado pela EC nº 45/2004, compete, unicamente, "o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes" (Constituição Federal, artigo 103-B, § 4º).
Quer dizer, o CNJ não pode meter o bedelho na atuação jurisdicional - processual - dos juízes. Pode, tão somente (e isso já é muito), controlar os atos administrativos e a gestão financeira dos órgãos do Poder Judiciário, bem como a infração aos deveres funcionais dos magistrados (aspecto disciplinar).
Autorizar ou não autorizar a quebra de sigilo telefônico não é ato administrativo do juiz, é ato típicamente jurisdicional (que vem do latim jusrisdictio, jurisdição, ou seja, o poder do Estado de dizer o direito).
O CNJ não pode, de forma alguma, legislar sobre processo e jurisdição. Quando o faz, usurpa a competência legislativa do Congresso Nacional (Constituição Federal, artigo 61) e fere o princípio da independência funcional dos magistrados, pilar de uma Justiça verdadeiramente isenta e imparcial. Tanto que, contra a decisão do juiz que autoriza escuta telefônica não cabe recurso ao CNJ, mas, sim, aos Tribunais de Justiça ou aos Tribunais Superiores.
Se a moda pega - aliás, já esta pegando! -, daqui a pouco o CNJ vai querer dizer se o juiz deve condenar ou absolver A ou B, se deve julgar procedente ou improcedente esta ou aquela demanda, absorvendo, assim, todas as funções do Poder Judiciário.
Ou eu estou redondamente enganado, ou não era bem isso que a Constituição queria dizer quando criou os tais "órgão de controle exrerno" pela EC nº 45/2004.
Precisamos voltar ao bom tempo em que "cada qual só fazia o que era de cada qual".

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LUIZ ISMAELINO VALENTE é advogado e procurador de justiça aposentado

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