segunda-feira, 21 de março de 2011

Pai da África reage


Depois de 42 anos de domínio quase incontestado, Muammar Kadhafi trava uma feroz e inesperada guerra civil. Em uma semana, perdeu o controle da maior parte do país. Enquanto cresciam as insurreições no Bahrein, no Iêmen e na Jordânia, o Irmão Líder, Guia das Revoluções, Rei da Cultura, Imã de todos os Imãs, Profeta dos Profetas, Reitor dos Governantes Árabes e Pai da África - títulos que Kadhafi se atribuiu - parecia tranquilo em meio à agitação árabe, apesar de ter fronteiras com a Tunísia e o Egito. Mas em menos de uma semana, saltou para a guerra civil aberta.
Tudo o que se tinha visto nas manifestações do Oriente Médio e da África – que, além dos países citados, já afetam também Irã, Iraque, Kuwait, Omã, Djibuti, Marrocos, Sudão, Etiópia, Camarões, Angola, Zimbábue e Gabão – foi superado pela rapidez e violência dos eventos na Líbia.
A surpresa foi tanto maior pela falta de informações diretas e confiáveis sobre o país. Fazia já algum tempo, a Líbia não despertava o interesse dos correspondentes ocidentais. Nem sequer a Al-jazira tinha lá um jornalista quando o movimento rebelde começou. E entre os que mantinham contato com o país, interesses conflitantes geraram com certa relutância em aceitar os fatos.
A quem quer que o interesse econômico ou geopolítico se predispusesse a vê-lo com boa vontade, Kaddafi podia ser considerado tanto um líder antiimperialista quanto um parceiro das transnacionais europeias e um bastião do Ocidente contra o fundamentalismo. Na sua complicada trajetória e nas suas idéias excêntricas, podia-se encontrar-se de tudo.
Filho de beduínos nômades, Kadhafi era tenente e estudava técnicas militares em Londres quando, inspirado pela revolução nasserista, fundou em 1966 a União dos Oficiais Livres. Voltando a Líbia, conspirou contra o rei Idris, aliado dos interesses petrolíferos anglo-americanos, e deflagrou a insurreição que derrubou a monarquia em setembro de 1969. O Conselho da Revolução por ele liderado se disse muçulmano, nasserista e socialista e tratou de expulsar as bases militares dos Estados Unidos e do Reino Unido e assumir o controle da produção e da maior parte dos lucros do petróleo.
Com um passado turvo e um futuro sombrio, Kadhafi não fará falta, caso venha a ser deposto. Mas o risco islâmico é ainda maior na Líbia do que no Egito e na Tunísia. Para a História, ele passará simplesmente como um criminoso internacional da pior estirpe. Entre as inúmeras malfeitorias do tirano líbio está o financiamento de atentados no exterior e a ajuda a golpes de estado em outros países africanos. Há digitais de Kadhafi no atentado ao avião da Pan Am sobre Lockerbie, na Escócia, em 1968; nos assassinatos de atletas israelenses na Olimpíada de Munique em 1972; na explosão de uma discoteca em Berlim, matando soldados americanos em 1986. Ele fez mais. Nos anos 90, ajudou com homens e armas os golpes de estado liderados pelos sanguinários Charles Taylor, na Libéria, e Idi Amin, em Uganda.
Com um currículo desses, não surpreende a decisão de empregar mercenários para massacrar o seu próprio povo. Após sucessivos avanços, os rebeldes começaram a perder terreno e o Pai da África começou a contabilizar vitórias expressivas e importantes. O Conselho de Segurança da ONU autoriza ataque aéreo contra a Líbia, depois que autoridades líbias anunciaram uma ofensiva contra Benghazi, bastião dos insurgentes no leste do país.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

Um comentário:

Anônimo disse...

Será que o nome da operação contra o ditador Líbio , tem alguma coisa a haver com a visita do Obama ao Brasil? O nome da operação é "ALVORADA", e foi no dia que acordou em Brasília que o presidente norteamericano, determinou os ataques a Líbia. Poderia ter outro nome. Acho que alguém da chancelaria americana não atentou para o nome.