segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Migração sem viés autoritário


Para quem aprecia metáforas literárias, talvez seja a hora de lembrar a Atlântida, o continente que, no mito inventado por Platão, foi condenado pelo Olimpo a afundar no oceano. Os atlantes davam a impressão de ser extremamentes belos e felizes, mas estavam impregnados de avareza e arrogância. Aí, o deus dos deuses resolveu aplicar-lhes uma punição, para que eles se tornassem razoáveis e moderados. As divindades hoje não se chamam Zeus, Poseidon e Netuno e sim S&P, Moody's, Fitch, etc. Mas também afundam continentes. Hoje, o continente perdido é a Europa. O rebaixamento generalizado evidencia ao mundo a dimensão da verdadeira crise internacional.
A conjuntura de crise nos países europeus e nos Estados Unidos e o ritmo forte da economia brasileira explicam a recente onda migratória - assim como a Austrália e o Canadá, o Brasil passou a ser visto como porto seguro. E expõe a urgência de o País rever sua legislação vigente, herança da ditadura, elaborada em 1980.
Recentemente, o ministro da Defesa, Celso Amorim, chamou a atenção para esse debate. Não dá para se tornar a sexta economia do mundo impunemente. Normalmente, os cidadãos saíam do País. O Brasil ficou melhor agora e as pessoas querem entrar. Naturalmente, deve-se estudar como agir diante dessa nova situação. Não são apenas os haitianos, mas os brasileiros estão voltando. Há que se procurar exercitar o mesmo espírito humanitário que está presente no Haiti, de uma maneira compatível.
Nesse debate, há quem reduza o tema ao "tapete vermelho" para os mais qualificados, enquanto os menos favorecidos - latinos e africanos à frente - seriam tratados como caso de polícia. Quando se fala em miséria humana, nos remetemos imediatamente aos famélicos, drogados, sem-teto ou vítimas de desastres ambientais. Proposta a fermentar na Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), ocupada pelo ex-governador fluminense Moreira Franco (PMDB-RJ), vai nessa direção, com ênfase no fim das filas para engenheiros e afins. Aos demais, a liberação do visto de trabalho seguiria a conta-gotas. Mas onde ficam os direitos humanos?
É natural que o sucesso econômico gere oportunidades de trabalho. Ninguém vai migrar para um país onde não há empregos. Embora seja urgente que o Brasil aprove uma legislação voltada aos imigrantes e atualize sua política nacional de imigração, o País avançou nos últimos anos. Em sentido contrário seguem os países europeus, onde a crise econômica fermenta a xenofobia. A França de Nicolas Sarkozy, por sinal, bateu recordes de deportações em 2011, em meio à campanha do governo para reduzir o número de imigrantes legais.
O Brasil tem uma imagem positiva no momento. É um momento inclusive para se criar condições especiais à entrada de pessoas altamente qualificadas. Motivo de alegria termos aqui grandes professores e cientistas estrangeiros que ajudassem no progresso científico brasileiro. Temos de aproveitar que há o desemprego nos outros países para atrair essas pessoas.
E quanto aos pobres e menos qualificados? Eles também virão, naturalmente. Não podemos imitar o péssimo exemplo dos EUA, mas podemos disciplinar isso. Por que tantos portugueses querem vir para o Brasil, dezenas de milhares? Porque há uma expectativa de trabalho. Uma sociedade mais acolhedora. Os criminosos não pedem visto. O criminoso que quer entrar não vai pedir visto a ninguém, entra com visto de turista e desaparece.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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