domingo, 17 de agosto de 2008

O Cáucaso em ebulição



A Rússia e Geórgia entraram em guerra pela Ossétia do Sul, certo? Errado. Esse conflito já matou mais de duas mil pessoas, deixou milhares de feridos e mais de 100 mil desabrigados. No fundo, guerra é entre a Rússia, aliada à Ossétia, e os Estados Unidos, que têm a Geórgia na Otan. A Ossétia do Sul é uma pequena região separatista encravada na Geórgia com mais ou menos 4 mil Km2 e 70 mil habitantes e não esconde de ninguém que quer ser russa, e assim como a Abkázia, se proclamou independente com o fim da União Soviética no início dos anos 90 e defendeu sua soberania com as armas.
A luta neste enclave do Cáucaso começou no final da penúltima década do século passado, quando a Ossétia se autoproclamou "república soviética", mas o parlamento da Geórgia, que estava se separando da URSS, decretou a dissolução da região autônoma. No final da primeira semana de janeiro de 1991, o presidente Mikhail Gorbachev anulou as medidas decididas pelos georgianos e reforçou os contingentes militares na Ossétia onde ocorreram enfrentamentos entre partidários do poder central georgiano independente.
Parece até pêlo em ovo, pois os separatistas ossétios ganharam uma batalha e, em janeiro de 1992, um referendo organizado nesse território deu o "sim" para a independência e a unificação com a Ossétia do Norte, que faz parte da Federação Russa.
O bom senso fez georgianos e ossétios assinarem um acordo de cessar-fogo em junho de 1992, após o qual uma força de interposição tripartite, integrada por soldados georgianos, ossétios e russos, se movimenta ao longo da fronteira. Em agosto de 2004, novos embates deixam vários mortos de ambos os grupos. Em 2005, o presidente da Ossétia do Sul, Eduard Kokoiti, apresentou um projeto de fazer parte da Rússia, unificando-se com a Ossétia do Norte.
Em 8 de agosto passado, a Rússia que dava as cartas quando o regime comunista estava em alta, resolve bombardear vários pontos da Geórgia, atingindo inclusive Gori - cidade natal de Stalin, que provavelmente deve ter se mexido no túmulo - para vingar a morte de milhares de ossétios. Esses enfrentamentos representam a culminação de anos de tensão entre a Rússia e a Geórgia, durante os quais houve rusgas militares e embargos comerciais russos aos produtos georgianos.
Esse cabo-de-guerra é parte de uma grande disputa que se concentra em dois territórios apoiados pela Rússia - que vêm assediando as velhas repúblicas no sentido de recompor a antiga URSS -: a Ossétia do Sul e a Abkházia. Ambas romperam com a Geórgia em conflitos sangrentos em meio ao colapso da União Soviética, no início da década passada.
Além disso, na época os líderes desses dois territórios rebeldes desejavam continuar fazendo parte da URSS, com a qual a Geórgia queria romper. Posteriormente, depois do colapso da União Soviética, as duas províncias buscaram separar-se. Até hoje, porém, nenhum país reconhece formalmente a independência delas.
Especialistas e analistas em conflitos asiáticos consideram estas e outras províncias como "conflito dormente" nas ex-repúblicas soviéticas como a linha de frente - parece querer fazer "laboratório" - de uma nova espécie de Guerra Fria, movida pela determinação de Moscou em fazer com que seus vizinhos continuem em sua esfera de influência e evitar que se aliem à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) ou à União Européia (UE).
Ademais, esses confrontos podem provocar desdobramentos. A Ucrânia advertiu que poderá impedir navios da marinha russa de retornar para sua base na Criméia para evitar a organização das tropas russas na costa da Geórgia. A afirmação pode afetar as relações entre os dois países já complicados por conta das disputas na área de energia e dos planos da Ucrânia em se unir à Otan.
Colocando de lado o que é negativo e o ceticismo, o anúncio do pacto de cessar fogo feito pelo presidente da Rússia, Dimitri Medeved, de que a Geórgia fora "suficientemente punida", não garante que a paz voltou, os tanques russos não saíram da região e continuam ameaçando. A dimensão desse conflito está longe de ter um final feliz. Vladimir Putin ainda continua dando as cartas. Medvedev é figura decorativa.

Sergio Barra é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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