A operação Satiagraha causou um abalo institucional em Brasília. O banqueiro Daniel Dantas foi preso e algemado de maneira espetaculosa pela Polícia Federal, acusado de praticar evasão de divisas, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. Entrou, saiu, voltou e tornou a sair da prisão graças a dois habeas corpus - remédio jurídico que está sendo banalizado - concedidos pelo presidente do Superior Tribunal Federal, Gilmar Mendes.
Dantas, que na quarta-feira, 23 de julho passado tornou-se réu, e não mais suspeito, por determinação do juiz federal Fausto De Sanctis, de São Paulo, acusado de tentar subornar um delegado. Até agora, não disse uma palavra - no inquérito da Polícia Federal permaneceu o tempo todo em silêncio. Outros personagens falaram. E revelaram um lastimável empurra-empura e um deplorável bangue-bangue entre os poderes da República.
O ministro da Justiça, Tarso Genro, afirmou que a decisão de Gilmar Mendes a favor do habeas corpus para Dantas poderia facilitar a fuga do banqueiro. E aí vem o golpe do joão-sem-braço, Mendes rebateu dizendo que o ministro não tinha competência para opinar sobre o assunto. É mole? Alguns procuradores da República lançaram um abaixo-assinado para pedir o impeachment do presidente do STF por crime de responsabilidade.
Barraco armado, o presidente Lula chamou Genro e Mendes para uma reunião. Segundo a mídia, Nosso Guia entre os dois personagens tinha a expressão séria e mais sincera. Os outros dois estavam sorridentes e negaram divergências ou confrontos entre o Executivo e Judiciário. Mendes envolveu-se em bate-boca com juiz de primeira instância, se estranhou com o ministro da justiça e, com isso, nas rodas de cidades como Rio, São Paulo e Belo Horizonte, foi posto no papel de vilão. A interferência do STF no caso Dantas fez do banqueiro um quase inocente - durma-se com um barulho desses. Até para mais o leigo, pareceu lógico que a decisão estivesse baseada na interpretação da lei. Dantas saiu bem na foto e o presidente do STF caiu na boca do povo.
No capítulo grampos (é muita bandalheira), duas novidades recentes. As conversas entre Humberto Braz e Hugo Chicaroni, prepostos de Dantas e da caterva toda, que teriam oferecido US$ 1 milhão a um delegado da Polícia Federal. Nas conversas gravadas, Chicaroni diz que Dantas tinha uma só preocupação e todos viram e ouviram nos jornais da TV: "Ele se preocupa com hoje. STJ, STF... ele resolve. O cara tem trânsito político ferrado".
O outro grampo chegou à ante-sala do Planalto. O ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, na condição de advogado de Dantas e seus velhinhos delinqüentes, ligou para Gilberto Carvalho, chefe de gabinete da Presidência, para assuntar sobre as investigações da PF. Carvalho disse que não fez contato com o Ministério da Justiça nem com a Polícia Federal. Nas conversas vazadas, reveladas pela mídia, o advogado pede detalhes da Operação Satiagraha e Carvalho promete a ele que buscaria mais informações.
Calma, julho foi fértil, o estranhíssimo afastamento do polêmico delegado Protógenes Queiroz do comando das investigações da Operação Satiagraha. No meio de justificativas inverossímeis ou simplesmente surrealistas, foi dito que Queiroz faria um curso de aperfeiçoamento. Tarso Genro disse que não tinha culpa, o diretor da PF, Luiz Fernando Corrêa, saiu de férias. Não há paternidade para a saída do delegado.
O pior de tudo é que o Nosso Guia, diretamente de um outro mundo que não é o nosso, criticou Queiroz e disse que ele deve permanecer à frente das investigações. O delegado Queiroz, o juiz federal Fausto De Sanctis e o banqueiro Daniel Dantas foram convocados a depor na CPI dos grampos provavelmente neste mês de agosto.
Só faltava esta, o velhinho meliante Salvatore Cacciola, ex-dono do Banco Marka, condenado à revelia a 13 anos de prisão por crimes de gestão fraudulenta e peculato (uso do cargo para apropriação ilegal de dinheiro), Cacciola voltou ao Brasil depois de passar oito anos de dolce vita na Itália. Preso em Mônaco e extraditado, o ex-banqueiro é responsável por um rombo de US$ 1,6 bilhão para o governo federal, no tumultuado período da desvalorização do real, em 1999. Cacciola saiu do Brasil a bordo de um habeas corpus e voltou a bordo de outro que lhe garantiu não ser algemado. Seus advogados pretendem que ele espere novo julgamento em liberdade.
O Brasil na realidade não vive uma crise institucional. Vive um surto de imoralidades e hipocrisias. Toda essa esculhambação dá ensejo a espetáculos constrangedores no poder federal.
Sergio Barra é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com
Um comentário:
É Sergio neste Brasil, tem de tudo... Até os Habeas Corpus estão sendo utilizados como brinquedos de advogados... Uma verdadeira briga de quem tem mais "peso político"....
Isso ai... é uma vergonha...
Valeu Sergio.. Continue assim
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