domingo, 3 de agosto de 2008

China: o pesadelo olímpico



Os Jogos Olímpicos realizados a cada quatro anos são vitrines de modernização. Na noite de 13 de julho de 2001, dezenas de milhares de pessoas lotaram a Praça da Paz Celestial, em Pequim, para comemorar a decisão do Comitê Olímpico Internacional de indicar a cidade para sediar os Jogos de 2008.
O presidente chinês, Jiang Zemin, conclamou o povo a trabalhar em parceria para preparar o país para as Olimpíadas. "Ganhar a concorrência significa ganhar o respeito, a confiança e a preferência da comunidade internacional", proclamou Wang Wei, um dos diretores do comitê estatal de competição.
Mas é evidente que os jogos não servirão apenas para pôr em destaque as exibições das megaconstruções e a reforma de bairros inteiros. O governo também lançou diretrizes de etiqueta que proíbem cuspir em público, jogar lixo no chão e furar filas. Há também programas para ensinar inglês a motoristas de táxi, policiais e garçons. Para a comunidade internacional, não é mais possível separar o desenvolvimento chinês da imagem do fracasso dos direitos humanos e na preservação do meio ambiente. Muita coisa está em jogo.
Na escolha da sede dos jogos de 2000, a China perdeu a vaga para Sydney, na Austrália, em grande parte devido aos ecos do massacre da Praça da Paz Celestial. A grande verdade é que os chineses ainda estão assustados. Os que detêm o controle e o comando do PC chinês ainda estão soterrados pela avalanche da incompetência da retrógrada identidade maoísta de Pequim.
A química entre manifestantes desesperados por atenção e o patriotismo exacerbado dos chineses pode resultar numa situação de alto teor inflamável. O lema oficial dos jogos de Pequim, "Um Mundo, Um Sonho", sugere um espírito cosmopolita, mas o nacionalismo estará presente em doses concentradas.
Caso algo dê errado, haverá disputas internas e um jogo de empurra-empurra dentro da liderança do partido. Nesse cenário, o vice-presidente Xi Jinping, ponta-de-lança do esforço olímpico e virtual herdeiro político do presidente Hu Jintao, enfrentariam desafios à sua suposta liderança.
Quiçá as polêmicas atuais tragam resultados positivos a longo prazo. Quem sabe as adversidades levem o governo a rever suas políticas. Blogueiros, intelectuais e jornalistas chineses aproveitam o calor do momento para pedir o fim da retórica nacionalista e o início de uma reflexão sobre as críticas que vem de fora. Da mesma forma, os críticos internos usam as olimpíadas para debater o significado da pujante democracia de Taiwan no futuro político chinês.
Há mais de um ano estreitos laços econômicos e políticos da China com o Sudão vêm sendo observados com atenção. Uma cooptação de celebridades e ativistas internacionais pressiona Pequim para que a China se empenhe no fim das atrocidades cometidas em Darfur. O grupo batizou os jogos de 2008 de "Olimpíadas do Genocídio".
Os Jogos Olímpicos ainda não começaram, mas Pequim já deu a largada conquistando sua primeira medalha de ouro, subindo no lugar mais alto: o pódio da sujeira. Foram gastos US$ 16 bilhões nas "Olimpíadas Verdes", e a poluição ainda não foi controlada. Foram fechadas dezenas de usinas poluidoras e o carvão foi trocado pelo gás natural. A atividade da indústria pesada em cinco províncias vizinhas foi restringida. Aliviou? Até agora não.
A qualidade do ar ainda é três vezes pior que o padrão da Organização Mundial de Saúde, mesmo com a retirada de um terço dos carros das ruas da capital, a partir de domingo, 20. O maratonista mais rápido do mundo, Haile Gebrselassie, desistiu da disputa. Outros atletas chegarão em cima da data das provas e usarão máscara. No ano passado, a China se viu envolvida em escândalos relacionados a alimentos adulterados por esteróides e inseticidas. Várias delegações, como a americana, levarão parte ou toda a comida necessária.
Quaisquer que sejam as implicações de longo prazo dos Jogos, o que se viu até agora passa longe dos sonhos de glória olímpica. Em vez de conquistar admiração do mundo, a China se vê cercada de protestos domésticos e críticas internacionais. As dúvidas sobre a possibilidade de reformas políticas reais, e de que o país se transforme em ator global responsável, são cada vez maiores. A idéia era a de que os Jogos enterrassem essas perguntas de uma vez por todas - mas as Olimpíadas acabaram ressuscitando a desconfiança. A China quer se tornar a maior potência do mundo, mas o ranço do autoritarismo é mais um teste para um monolítico e milenar império que, às vezes, parece não ter fim.

Sergio Barra é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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