sábado, 15 de janeiro de 2022

As paixões políticas, os noivos, o oficialismo, as artes. A História na vitrine, em 200 anos de jornalismo no Pará.




Jornais, de larga ou diminuta circulação, de longa ou curta existência, não se tornam vitrines da História apenas porque publicam ocorrências de grande repercussão e que afetam, por isso, coletividades inteiras. Eles se tornam vitrines da História porque também veiculam hábitos, costumes, práticas, aspirações e expressões artísticas e culturais das sociedades, externadas nas individualidades, nas rotinas, no dia a dia dos cidadãos comuns.
Os jornais que circularam em Belém nos séculos XIX e XX (alguns deles circulando até agora), demonstram bem isso, seja quando festejavam a vitória eleitoral do líder político que apoiavam, seja quando publicavam em suas páginas - inclusive na primeira - anúncios de noivados que uniriam pessoas de "famílias gradas", seja quando anunciavam espetáculos apresentados em seus teatros ou advertiam que, nas festas de Carnaval, só seria permitido o ingresso de pessoas "decentemente" trajadas.
Constata-se isso - os jornais como expressões vivas de suas épocas - quando se visita, como eu visitei neste sábado (15), a 3ª edição da exposição “Belém Viva Belém”, projeto desenvolvido pelo Castanheira Shopping para homenagear Belém no mês de seu aniversário.
Sob a curadoria da doutora e professora de História da Arte Rosa Arraes, foi aberta na última quarta-feira (12), no 2º e 3º pisos do shopping, exposição que tem como tema as “Memórias do Nosso Jornalismo Impresso” ao longo de 200 anos, que mostra a primeira edição de vinte dos mais duradouros jornais impressos de Belém, a começar pelo “O Paraense”, de 1822 - primeiro jornal impresso no Pará.
Homenageados - Um dos homenageados da mostra é o jornalista e empresário Romulo Maiorana, que faria 100 anos em 2022 e fez de seu O LIBERAL o primeiro jornal do Pará e um do primeiros do Brasil a imprimir em offset, a partir de maio de 1972.
O outro homenageado é o jornalista Paulo Maranhão, que completaria 150
anos neste 2022 e viveu até os 94 anos escrevendo para a Folha do Norte, que funcionava na Gaspar Vianna, na sede que posteriormente foi de O LIBERAL, até este jornal transferir-se para a Avenida Romulo Maiorana, no bairro do Marco.
Maranhão foi considerado o jornalista mais antigo do mundo em atuação. Humberto de Campos, o excelente escritor maranhense que chegou a integrar a Academia Brasileira de Letras e integrou o quadro de redatores de "A Província do Pará", descreveu assim a paixão de Paulo Maranhão por seu jornal: “Folha do Norte, por ela vivia, por ela morria”.
Oficialismo e paixão - Na exposição, salta aos olhos a orientação editorial dos jornais, que ora eram oficialistas aos extremos, ora projetavam-se como defensores de causas ou de projetos políticos que faziam de suas páginas estopins para a explosão de emoções desabridas, que não raro desembocaram em atentados e mortes, como a de Paulo Eleutério, que foi morto a tiros dentro da redação de O LIBERAL, em maio de 1950.
Ressaltem-se dois exemplos emblemáticos.
Em seu Treze de Maio, que circulou de 1840 a 1862, Honório José dos Santos avisa logo que não admitiria a publicação de qualquer comentário que envolvesse a vida particular de alguém. E em relação ao Poder Público? Também não, a menos que a autoridade permitisse. Escreveu o jornalista: Repelimos qualquer correspondência, ou polêmica, que tenha por objeto a vida particular de alguém, ou por fim a oposição aos atos de qualquer Autoridade que seja, exceto se da Autoridade competente tivermos, por nossa salvaguarda, permissão para o fazer.
Já O LIBERAL, em seu primeiro número, demarca claramente seu território: defender com unhas e dentes o governo de Magalhães Barata, que na época enfrentava severa oposição da Folha do Norte, de Paulo Maranhão. Dizia editorial publicado na primeira página: Saberemos revidar as afrontas, destruir e pulverizar as infâmias de nossos detratores, mas sempre prevenidos higienicamente, tomando as necessárias precauções todas as vezes que tenhamos de intervir de bisturi em punho nas purulências morais dos nossos conhecidos inimigos.
Omissões - Exposições como a do Castanheira, que pretendem enfrentar um tema que compreende nada menos do que dois séculos, acabam, incontornavelmente, omitindo informações. Essas omissões, ressalte-se, nem sempre decorrem da falta de critérios escolhidos pela curadoria para exibir as peças que entende essenciais, mas decorrem de vários outros fatores, até mesmo da indisponibilidade do espaço físico para abrigar tudo o que seria importante e imprescindível.
Chama atenção, de qualquer forma, não ter sido feita qualquer referência a veículos que marcaram época na história dos jornais do Pará, como é o caso do Resistência, o principal veículo de comunicação da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos desde 1978, que foi alvo até mesmo de empastelamentos pela ditadura militar. Ainda hoje o jornal sobrevive, e recentemente abriu um versão on-line, ainda incipiente.
Neste sábado (15), na coluna que assina no Diário do Pará, o jornalista Raymundo Mário Sobral reclama que o seu PQP - Um Jornal Pra Quem Pode foi sido esquecido pela mostra do Castanheira. "As pessoas podem alegar que PQP - Um Jornal Pra Quem Pode foi alienado, insano, indiferente às magnas questões que assolavam a Nação. Concordo. Em parte. Ocorre que mesmo assim, como todos os senões, 'PQP' existiu e fez parte, queiram ou não queiram, de um ciclo de 23 anos da Imprensa de nossa terra natal", escreve sobral, num texto que intitulou de "O 'sequestro' do PQP".
As omissões nesse tipo de exposição, como já dito, são inevitáveis. Mesmo assim, ressalte-se a relevância da mostra em exibição no Castanheira, sobretudo por destacar a enorme influência que os jornais exerciam em sociedades que ainda não contavam com meios eletrônicos, como emissoras de rádio e televisão, mas que tinham nos veículos impressos poderosos, para não dizer poderosíssimos instrumentos de interação social

Serviço: A exposição “Belém Viva Belém - Memórias do Nosso Jornalismo Impresso” foi aberta dia 12 de janeiro e continua no 2º e 3º pisos do Castanheira Shopping (BR-316 – Km 01 -S/N). Visitação aberta ao público de segunda a sábado, das 10h às 22h, e aos domingos, das 14h às 22h, até 31 de janeiro.

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