terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Águas turvas no Golfo Pérsico


Nem bem se alivia de uma desavença entre vizinhos no Oriente Médio e outro conflito se faz presente. Agora, entre o Irã e a Arábia Saudita. Aquilo que parecia ser impossível acontecer acabou acontecendo, o sectarismo faz uma nova crise eclodir, trazendo desesperança no novo ano que se inicia. No alvorecer de 2016, a Arábia Saudita cortou relações diplomáticas com o Irã, e levou a maioria de seus países aliados do Golfo a fazer o mesmo. Esse recrudescimento foi motivado pelo ataque à embaixada saudita em Teerã, capital do Irã, e uma série de protestos em países xiitas. Mas o povo foi às ruas, uma expressão pública de sentidos eram uma resposta à execução do clérigo xiita Nimr Baqr al-Nimr pela Arábia Saudita, em 2 de janeiro.
O satírico xiita Al-Nimr gostava muito de alfinetar e não perdia tempo em verbalizar o sentimento da minoria xiita na Arábia Saudita, que se sente marginalizada, discriminada e foi crítico mordaz da família real saudita. A intransigência do conflito não é uma boa notícia para o Oriente Médio e para o mundo. No fim de 2015, depois de vários encontros diplomáticos, Arábia Saudita e Irã pareciam dispostos a dialogar após meio século de rivalidades entre os países, localizados em margens opostas do Golfo Pérsico. Mas os eventos de dias atrás, parece, enterraram as esperanças de uma distensão e sugerem uma temível deterioração nas relações dos dois países, ou seja, não dá, no momento, para apaziguar e levar em ritmo democrático.
Sabe-se que o conflito entre Irã e Arábia Saudita recrudesce e ameaça o Oriente Médio, que é um nó religioso, étnico, social, político e econômico que tira a tranquilidade do mundo, porque há tensão generalizada entre sunitas e xiitas, patrocinada por sauditas e iranianos, e que foge do controle. O cisma religioso é importante para que se entenda o cenário sectário do Oriente Médio hoje. A divisão entre islamismo xiita e sunita ocorreu em 632 a.C., após a morte do profeta Maomé, fundador da religião. A disputa surgiu do desacordo sobre quem deveria suceder a Maomé como califa do islã: os sunitas achavam que Abu Bakr, pai da mulher de Maomé, deveria liderar os muçulmanos por um consenso da comunidade muçulmana. Para os xiitas, o califa deveria ser Abi Talib, primo e cunhado de Maomé.
Na verdade, os iranianos seguem uma vertente radical do xiismo. Todos os ataques terroristas da história, sem exceções, foram motivados pela religião. Para nos ocidentais, sobretudo brasileiros, é difícil imaginar um dogma sem os princípios cristãos e/ou católicos. No Oriente Médio, onde o Islã não permite doutrinas católicas, a religião tem outro sentido: vida ou morte. Mas essa disputa religiosa é apenas o pano de fundo para a disputa geopolítica travada entre Irã e Arábia Saudita. O líder da revolução iraniana de 1979, o aiatolá Ruhollah Khomeini, pregava que o islã e a realeza hereditária eram incompatíveis. Ao longo dos anos, a República Islâmica estabeleceu uma política externa agressiva para fomentar levantes no Oriente Médio.
No entanto, a Arábia Saudita é o único país do mundo cujo nome vem da família que o governa. Os membros da família real saudita chegaram ao poder graças a Abdulaziz ibn al Saud, que em 1920 começou a unificação da Península Árabe depois do desmoronamento do Império Otomano. A dinastia foi erguida sobre uma forma especialmente rigorosa de islamismo criada no século XVIII. O Wahabismo se inspirava no salafismo, que prega a adoção de usos e costumes de Maomé e seus primeiros seguidores. Foi sob essa ideologia radical que Abdulaziz conseguiu a união tribal e fundou a Arábia Saudita.
Com a execução de Al-Nimr, a Casa de Saud aposta suas fichas na tensão sectária que tem sido o maior impulsionador de conflitos no Oriente Médio. Mesmo expressos em linhas religiosas, os conflitos não são sobre religião, são políticos. Apesar dos embates iniciais, sunitas e xiitas costumavam dialogar. Assim como na Guerra Fria, o capítulo final nessa saga só deverá ser escrito quando um dos lados capitular. Essas vertentes radicais parecem apresentar defeitos.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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