quarta-feira, 15 de junho de 2022

Uma tragédia desenhada com as tintas do desgoverno e da crueldade, ambição e omissão

O desaparecimento, até aqui completando 11 dias, do indigenista brasileiro Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips na região do Vale do Javari, no extremo-oeste do Amazonas, é uma tragédia que, a cada dia que passa e os dois não são encontrados, vai sendo desenhada com as tintas da crueldade, da ambição e da omissão criminosa do estado brasileiro.

A crueldade é operada pelos protagonistas da devastação da Amazônia - invasores de terras indígenas, madeireiros, garimpeiros e, no caso específico do Vale do Javari, de pescadores -, todos decididos a usar uma arma qualquer (mas arma letal, não se enganem) para tirar a vida de quem ouse antepor-se à sanha predatória que os domina.

A ambição - desmedida, desenfreada, incontrolável - é alimentada por esses mesmos personagens nefastos.

A omissão estatal se configura há décadas, mas nunca foi tão descarada, escandalosa, escancarada, criminosa e, por último mas não menos importante, planejada como a omissão que se inaugurou em 1º de janeiro de 2019, quando o desgoverno (também ele predatório e devastador) de Jair Bolsonaro passou a destruir o Brasil.

Os traços dessa tragédia vão ficando mais nítidos, terrivelmente nítidos, a cada dia que passa.

Primeiro, encontraram objetos que, conforme já se constatou, pertenciam ao jornalista e ao indigenista.

Depois, marcas de sangue em local por onde eles possivelmente passaram.

Em seguida, a informação de ninguém menos que a esposa de Dom Phillips, dando conta de que os corpos de ambos teriam sido encontrados. A Polícia Federal já desmentiu essa informação - e tomara que seja mesmo mentira. Mas é difícil acreditar que familiar de um dos desparecidos incorreria numa iresponsabilidade tamanha, se não tivesse absoluta certeza na credibilidade da informação que recebeu.

Agora, revela-se que num áudio, provavelmente gravado no mês de maio, Bruno Perereira cita uma reunião que ocorreria em 3 de junho na Comunidade São Rafael, local onde ele e o jornalista britânico estiveram no dia em que desapareceram. O encontro tinha o objetivo de barrar o avanço da pesca ilegal de pirarucu na terra indígena.

"A gente está preparando uma reunião, uma articulação para a Câmara de Vereadores e a Prefeitura [de Atalaia do Norte] na Comunidade São Rafael. [...] Os maiores e grandes invasores da terra indígena aí. Eles vão perder o manejo do pirarucu que demorou dez anos para eles tirarem", disse Bruno, no áudio.

De acordo com o indigenista, os pescadores que atuam ilegalmente atiraram contra equipes de fiscalização. "São esses caras que estão atirando na equipe, esses caras que atiraram na base. Não só do São Rafael, [do] São Gabriel, os carinhas de Benjamin [Constant] e outros de Atalaia [do Norte]".

Continuamos torcendo para que Dom Phillips e Bruno Pereira sejam encontrados com vida.

Mas, ainda que sejam, eles já terão entrado no rol das ocorrências que revelam, nua e cruamente, o abandono a que a Amazônia - sua diversidade, seus povos e suas gentes - está relegada principalmente nos últimos quatros anos, por um (des)governo que usa o discurso hipócrita e patriótico de que "a Amazônia é nossa", ao mesmo tempo em que deixa passar a boiada e vai escancarando a região para os criminosos que agem à vontade - individualmente ou em bandos organizados.

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