Helder Barbalho e Gilberto Martins: ajuizamento de ação de improbidade administrativa é a continuidade de um enfrentamento contaminado por vieses também de natureza política |
O ajuizamento, pelo Ministério Público do Pará, de ação de improbidade que, entre outras medidas, pede o afastamento de Helder Barbalho do cargo de governador do Pará, deveria cingir-se, como de regra, a seus aspectos eminentemente legais, processuais e técnicos, tudo isso consubstanciado no respeito à jurisdição e aos elementos constantes da inicial oferecida para o exame do Poder Judiciário. Mas não será assim neste caso.
Basicamente, a ação pede punições e reparações no caso da compra com dispensa de licitação de 400 ventiladores pulmonares da empresa SKN do Brasil Importadora e Exportadora de Eletrônicos Ltda. Além de Helder, são requeridos na mesma ação Parsifal Pontes (ex-chefe da Casa Civil do Pará), Alberto Beltrame (ex-secretário de Saúde do Pará), Peter Cassol Silveira (ex-secretário adjunto de Gestão Administrativa da Sespa) e outras seis pessoas, que também são investigadas em duas operações contra o governo Helder - a Para Bellum e a SOS. O processo, de número 0866555-71.2020.8.14.0301, tramita na 1ª Vara de Fazenda da Capital.
A iniciativa do MPPA, no entanto, aporta no Judiciário contaminada por especulações de que atenderia a interesses extraprocessuais de natureza eminentemente política. Isso porque o proponente da ação, ninguém menos que o procurador-geral de Justiça, Gilberto Valente Martins, enfrenta pessoalmente fortíssimas hostilidades do governador e sua família, que o acusam de ter ligações com tucanos e de orientar e de instrumentalizar o Ministério Público para servir como aríete contra o governo do estado.
Inimigo político - Além dessas motivações, que são subjetivas obviamente, ocorrência recente forneceu aos opositores de Gilberto Martins elementos de convicção ainda mais sólidas para tratarem-nos não propriamente como chefe do MPPA, mas como um inimigo político.
A ocorrência consumou-se com a Operação Quimera, desfechada pela Polícia Civil no dia 9 de outubro, para apurar supostas fraudes na compra de respiradores pela Secretaria Municipal de Saúde de Belém. Quem era o secretário à época? Sérgio Amorim, que vem a ser cunhado de Gilberto Martins. E à porta da residência do secretário estava o tenente-coronel da PM Afonso Geomárcio Santos, lotado na gabinete militar do PGJ, que teria tentado intimidar os policiais, inclusive filmando parte da operação.
Pronto. O cenário de enfrentamentos entre o PGJ Gilberto Martins e a família do governador ampliou seu espectro a partir daí, saindo do terreno de meras ilações (que sempre são subjetivas, vale repetir) para fatos que, sendo fatos, podem dar ensejo a especulações mais sólidas, como a de que o MPPA estaria, como se diz, tirando o pé do acelerador no caso de investigações capazes de atingir interesses tucanos, e apertando fundo, no caso de denúncias envolvendo o governo Helder Barbalho.
Pode ou não pode? - Disso tudo, temos objetivamente a seguinte questão: tem o procurador-geral de Justiça - seja ele Gilberto, Manoel, João, Pedro ou Joaquim - competência para postular perante juízo de primeira instância, propondo ação de improbidade contra um governador de estado - seja Helder, Simão, Manoel, Pedro ou Joaquim? Ou só poderia um PGJ postular junto ao segundo grau, ou seja, perante um tribunal?
Pode - Há quem entenda que pode. Alguns juristas, que preferem não se identificar, sustentam que o PGJ está amplamente legitimado também a propor esse tipo de ação no Juízo de primeiro grau. "Quem pode mais pode menos. O procurador-geral de Justiça agiu estritamente no seu dever legal, dentro de suas atribuições. A ação está repleta de elementos para ser apreciada e julgada", diz um dos juristas ao Espaço Aberto.
Invoca-se ainda ao artigo 56, inciso VII da Lei Orgânica do Ministério Público, combinado com o artigo 129, incisos II e III da Constituição.
Diz o artigo 56: "Art. 56 - Além de outras atribuições previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público dos Estados, nesta Lei Complementar e em outros diplomas legais, compete privativamente ao Procurador-Geral de Justiça, como órgão de execução: (...) VII - exercer as atribuições do art. 129, II e III, da Constituição Federal, quando a autoridade reclamada for o Governador do Estado, o Presidente da Assembleia Legislativa ou o Presidente do Tribunal de Justiça, bem como quando contra estes, por ato praticado em razão de suas funções, deva ser ajuizada a competente ação; (...)"
No artigo 129, lê-se: "Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: (...) II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; (...)"
O artigo 29 preceitua: "Art. 29. Além das atribuições previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, compete ao Procurador-Geral de Justiça: (...) VIII - exercer as atribuições do art. 129, II e III, da Constituição Federal, quando a autoridade reclamada for o Governador do Estado, o Presidente da Assembleia Legislativa ou os Presidentes de Tribunais, bem como quando contra estes, por ato praticado em razão de suas funções, deva ser ajuizada a competente ação; (...)".
Não pode - Há quem entenda que não. "A incapacidade postulatória de procuradores de Justiça perante varas de 1º grau consta de disposição expressa nos arts. 58 e 60 da Lei Orgânica do Ministério Público do Estado, que estabelece que “os Procuradores de Justiça, respeitada a competência privativa do Procurador-Geral de Justiça, e observados os atos normativos sobre a distribuição interna dos serviços, exercem as atribuições do Ministério Público perante os órgãos fracionários do Tribunal de Justiça do Estado”. E que “os Promotores de Justiça, observados os atos normativos sobre a distribuição interna dos serviços, exercem as atribuições do Ministério Público perante o juízo de primeira instância”, escreve o advogado Ismael Moraes em artigo republicado no Portal OEstadoNET.
Ismael cita até um precedente judicial extinguindo ação promovida por procurador de Justiça em 1º grau de jurisdição em razão de falta de capacidade postulatória. O precedente está em sentença prolatada nos autos da ACP nº 0809254-74.2017.8.14.0301, em 09/09/19, da 5ª Vara da Fazenda Pública de Belém.
Na sentença, escreve em certo trecho o juiz Raimundo Santana: "O Ministério Público do Estado do Pará possui, de fato, ampla legitimidade para ajuizar ações em defesa dos seus interesses institucionais, inclusive contra os seus próprios membros, ou seja, os promotores e procuradores de justiça. Entretanto, isso não significa que, para alcançar essa finalidade, a instituição possa desassossegar certos regramentos de ordem administrativa, processual e, até mesmo, constitucional."
Advogados que compartilham da tese em favor da competência que teria o PGJ para propor ações de improbidade em primeiro grau argumentam que, no caso mencionado, a ação não é de improbidade, e sim uma ação civil pública. Ismael discorda: "A ação de improbidade é uma modalidade de ACP, mas é ACP. E no caso citado como precedente foi em uma ação de improbidade. De todo modo, a previsão da Lei Orgânica do MP não distingue tipos de ação: fala da capacidade de postulação em cada grau de jurisdição", explicou o advogado ao Espaço Aberto.
Resta aguardarmos o próximo lance. E o próximo lance será sabermos se o Juízo da 1ª Vara de Fazenda da Capital, que tem como titular o juiz Magno Guedes Chagas. A Vara é a mesma em que o MPPA ajuizou, em junho, ação para apurar o caso das garrafas pets vazias que custaram R$ 2 milhões aos cofres públicas. E pedia-se o afastamento do então secretário de Saúde, Alberto Beltrame. Mas o juiz negou esse pedido.
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